O novo G20 em Pittsburgh marcará um contraponto em relação a Londres. Há seis meses, os principais governos do mundo ainda enxergavam a economia global no precipício. E como diz o ditado, a visão do abismo faz aguçar as mentes! Em Londres, o que parecia um fracasso anunciado virou encontro histórico, com promessas de recursos ao FMI e ao comércio mundial. O Brasil fez bonito na reunião, com direito a foto do presidente Lula ao lado da rainha.
Em Pittsburgh, já afastada a ameaça da hecatombe financeira, a conversa promete ser mais dura e, ao final, inconclusiva em seus esperados anúncios políticos. O que está em jogo é o enorme rescaldo monetário e fiscal do incêndio que lambeu as paredes do edifício econômico mundial. Embora quase todos julguem que “o pior já passou”, nenhum economista consciente poderia emitir um laudo confiável sobre a estrutura dos pilares que sustentam o prédio do comércio e produção globais. As fundações desse edifício estão certamente abaladas.
O endividamento da sociedade americana -governo, famílias e empresas- atingiu o ponto mais alto da história, algo como 370% do PIB, com o agravante de a dívida do próprio governo dos EUA apontar para mais de 70% do PIB ao longo desta década. Os vorazes consumidores americanos só terão uma saída nesta megacrise: brigar para produzir e exportar mais, durante um bom tempo.
É iminente a trombada contra os chineses em Pittsburgh, cujo desenho de inserção produtiva mundial esteve, até agora, ancorado na manutenção de um supercrescimento baseado em exportações altamente competitivas e um câmbio fixo, subsidiado.
O presidente do Bank of England, Mervin King, registrou a iminência do choque num artigo em que aponta a falta de coordenação decorrente da (má) convivência do regime de câmbio flexível, praticado pelos EUA, Europa, Brasil etc., em oposição ao regime cambial chinês, rígido à valorização, que representa uma subvenção permanente a suas exportações e freio às importações.
O pior efeito desta descoordenação cambial seria o aumento do protecionismo. O recente caso do embargo de pneus de fabricação chinesa nos EUA é apenas a ponta do iceberg de futuras obstruções ao comércio subsidiado por câmbio fixo. Em Pittsburgh, novamente o presidente Lula será objeto de referências elogiosas, agora confirmadas pelo grau de investimento atribuído por outra agência de rating.
Em boa parte, são elogios merecidos, especialmente pela providência divina que nos deu um agronegócio capaz de produzir sozinho um superavit comercial de US$ 45 bilhões anuais. Mas a contrapartida desse comportamento de melhor aluno da classe será a recorrente experiência de valorização do real. O modelo cambial do Brasil agrada a americanos, europeus e chineses. A uns, porque exportarão ao Brasil suas manufaturas com crescente poder de competição.
A outros, por trazerem ao Brasil os capitais espertos, que especulam na diferença favorável entre câmbio de entrada e de saída do país. E, é obvio, os chineses ficam felizes quando um país como o Brasil se concentra nas commodities, afastando-se do mundo competitivo das manufaturas e produtos de maior valor agregado.
A guerra de Pittsburgh será comercial. Dificilmente os chineses surpreenderão com alguma promessa de ajuste da sua moeda. Caberá aos países desenvolvidos inflacionar e desvalorizar. O modelo americano de alto consumo com baixa poupança parece ter descoberto um herdeiro improvável: o Brasil. Os chineses agradecem.
(Folha de SP – 23/09/2009)
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