À exceção da biosfera, o mais complexo organismo vivo de que participa a humanidade é a formidável engrenagem da economia global. Ernst Mayr, um dos maiores biólogos do século XX, atribuiu à complexidade dos sistemas vivos a incapacidade de enquadramento da Biologia no determinismo e no reducionismo das ciências físicas clássicas. Em “Biologia, ciência única: reflexões sobre a autonomia de uma disciplina científica” (2004), apropriadamente descrito no prefácio de Drauzio Varella à edição brasileira como “um livro que é uma declaração de amor à biologia”, Mayr reclama para a biologia uma singularidade que os economistas modernos também exigem para sua disciplina: as propriedades emergentes de “sistemas vivos, complexos e abertos, dotados de mecanismos como reprodução, metabolismo, replicação, regulação, adaptação, auto-organização e crescimento”.
Os jornais deste fim de semana estamparam a agonia de um enorme e flexível organismo vivo, a economia dos Estados Unidos. “O crescimento econômico dos EUA no primeiro trimestre foi o mais fraco em quatro anos. O PIB do país aumentou 1,3%, em termos anualizados, ficando bem abaixo da previsão de 1,8% feita por analistas de Wall Street. E a variação de preços anualizada, registrada pelo deflator implícito do PIB, subiu para 4%, mais que o dobro do trimestre anterior, que registrou 1,7%. Foi a maior alta de preços desde 1991, e a mais fraca expansão da economia americana desde 2002”, reportou O GLOBO de sábado.
Mas há uma visível dissonância entre essa gradual deterioração dos fundamentos macroeconômicos, de um lado, e a continuidade dos excelentes resultados das empresas americanos, de outro. Embora o índice de confiança do consumidor esteja no mais baixo nível em sete meses, após três quedas mensais consecutivas, a crise do mercado imobiliário ainda não derrubou a pilastra do consumo privado, responsável por mais de dois terços da demanda na economia.
A sustentação do consumo interno, a conquista de novos mercados externos, as reduções de custos trazidas por inovações tecnológicas e o mergulho de 3 bilhões de eurasianos com baixos salários no mercado de trabalho tornaram as empresas os protagonistas vencedores do enredo da globalização. Por outro lado, quando até mesmo a China e a Índia praticam golpes seguidos de aperto monetário, é sinal de importante mudança está ocorrendo. Esses países são, afinal, os principais supridores de mão-de-obra barata. E se lá há pressões inflacionárias a combater, a folga acabou.
A complexidade da economia global se explicita por essa colisão de fatores microeconômicos favoráveis com os macroeconômicos desfavoráveis, cujo resultado parece ainda imprevisível. Como diz Mayr, “a imprevisibilidade sistêmica resulta da proposição de que o todo é maior que a soma das partes. As propriedades de um sistema em nível superior de integração não são exaustivamente explicáveis pela ação de seus componentes tomados de modo isolado. Há características inesperadas em sistemas complexos, pois os compostos têm propriedades não evidentes em seus componentes”.
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