Os economistas de boa estirpe compreendem o colossal experimento que vem sendo conduzido nos Estados Unidos, com tão fulminantes desdobramentos para a economia mundial. Sabem também que as hipóteses de racionalidade das expectativas e de eficiência dos mercados são simulações de uma metodologia científica, e não dogmas de uma fé religiosa para legitimar os excessos dos financistas sob o patrocínio do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Sempre souberam que os mercados foram e continuam sendo humanos, demasiadamente humanos.
A extraordinária figura de Keynes tem sido evocada ante a ameaça de uma depressão global. O problema original diagnosticado por Keynes, a instabilidade e o eventual colapso dos investimentos privados, já atingira a economia americana na virada deste milênio. O colapso dos investimentos privados e das bolsas em 2000-2001 ocorreu ao final do superciclo de crescimento das décadas de 80 e 90, que atingiu o clímax no período 1995-1999, com as inovações tecnológicas nos setores de telecomunicações, mídia, internet e biotecnologia, em meio ao fenômeno da globalização.
A exaustão dos investimentos no fim desse legítimo “real business cycle”, a insuficiência de demanda e a fulminante queda da produção e do emprego, desembocando em uma Grande Depressão, a exemplo do que teria ocorrido em 1929, configuravam o problema de Keynes. Em uma posterior reinterpretação da tragédia dos anos 30, que denominou a Grande Contração, Milton Friedman atribuiu aos erros do Fed a degeneração de uma sequência de quebra de bancos em um buraco negro que engoliu os meios de pagamento e a circulação do crédito, desorganizando a produção e o emprego.
Pois bem, em 2002 o pragmatismo recomendava apostar as fichas na síntese de Keynes e Friedman. Bush, o Senhor da Guerra, disparou o gatilho fiscal, e Greenspan, o Senhor dos Mercados, o gatilho monetário, com juros exageradamente baixos por tempo demasiadamente longo. O experimento parecia inequivocamente bem-sucedido: a reaceleração da economia americana e a sincronização do crescimento global no período 2003-2007 em ritmo superior a 4% a.a., em anos consecutivos, evento inédito no pós-guerra. Mas “o avanço do conhecimento se dá de antigos problemas para novos problemas, por meio de conjecturas e refutações”, observa Karl Popper, em “Evolução e a árvore do conhecimento” (1961).
Temos novos problemas. O “crash” das bolsas, a crise imobiliária, o “crunch” do crédito, a quebra do sistema financeiro americano e a asfixia dos consumidores pelo endividamento excessivo ocorreram APÓS doses exageradas do remédio monetário. Sabemos agora o que teria ocorrido nos anos 30, ante o enfraquecimento dos “animal spirits”, o instinto vital dos empreendedores, se o Fed, em vez da paralisia, tivesse ido ao outro extremo, o da hiperatividade.
(O Globo – 02/02/09)
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