Em 1993, Samuel Huntington, professor e diretor do centro de estudos estratégicos de Harvard, publicou, na revista Foreign Affairs, um artigo entitulado “Choque de civilizações?”. Nele, o autor proclamou que a principal causa de conflitos no mundo deixou de ser ideológica e econômica para se tornar cultural. De fato, desde o fim da Guerra Fria, parece que cada vez mais o embate entre ideologias está sendo substituído pelo confronto entre o Oriente islâmico e o Ocidente cristão. O artigo e, posteriormente, o livro de Huntington foram mal recebidos fora dos EUA. Até hoje em dia, apesar do barbarismo patente nos ataques de 11 de setembro, não é muito recomendável citar o autor americano em discussões acadêmicas. Afinal, o establishment brasileiro tende a rejeitar a obra já que o choque de civilizações seria maneira conservadora de análise da realidade. A reação brasileira parece, na verdade, um esforço infantil de criança que fecha os olhos no quarto à noite e se esconde debaixo do cobertor para não encarar o monstro que faz barulho dentro do armário. Na verdade, a parte do artigo que analisa as relações entre a cultura ocidental de base cristã e a cultura oriental de base islâmica é bastante convincente. A fundação do Islã por Maomé no século VII e a unificação das tribos que viviam dispersas pelo o Oriente Médio lançaram as bases do expansionismo islâmico que chegaria até o continente europeu. Já no Ocidente, no ano 800, Carlos Magno foi coroado pelo Papa da época o primeiro imperador do Sacro Império Romano Germânico, que durou até 1806 e foi o pilar da Europa Ocidental. Em uma relação de quase 1500 anos entre o Islã e o Cristianismo, houve momentos de alternância entre a predominância de um e de outro. Segundo o autor e os próprios registros históricos, a expansão islâmica iniciada por Maomé no século VII chegou até a Europa, englobando partes da Espanha e França. Já do século XI ao XIII, houve a revanche cristã por meio das Cruzadas, que tentaram impor os valores do cristianismo a Jerusalém. Entre os séculos XIV e XVII, os turco otomanos reverteram a balança que pendia para o lado Ocidental cristão e anexaram diversos territórios no resto do Oriente Médio e nos Bálcãs. Capturaram, também, Constantinopla e chegaram a cercar Viena por duas vezes. Já nos séculos XIX e XX, o declínio islâmico gerou vácuo de poder logo ocupado pela Grã-Bretanha, França e Itália. Os três conseguiram retomar posições-chave no Oriente Médio e na África do Norte. Após a Segunda Guerra Mundial, os impérios coloniais de europeus cederam ante os movimentos de descolonização autóctones, marcados pelo nacionalismo árabe, por vezes laico, e pelo fundamentalismo islâmico. É interessante notar, ainda, que a grande dependência do Ocidente por petróleo, principalmente, desde o fim da Segunda Guerra, permitiu que os países islâmicos acumulassem enorme poder de barganha e fortunas incalculáveis ao longo do século XX. De certa forma, países ocidentais alimentam com dólares governos islâmicos que, muitas vezes, financiam grupos fundamentalistas e terroristas. O revigoramento do islamismo e o acirramento do choque de cultura entre o Oriente e o Ocidente, neste final de século, está diretamente relacionado com o dinheiro gerado pela exploração de petróleo. Desde o começo da década de 1970, o preço do barril da commodity deixou de ser mais barato do que água para custar entre 60 e 70 dólares. Aceitar a validade do argumento de Samuel Huntington e perceber que o autor, há mais de uma década, percebera o potencial recrudescimento dos conflitos religiosos não é negar que existam outras variáveis em jogo nas guerras atuais. É difícil refutar a idéia, no entanto, de que muitos conflitos que destroçaram a África e mesmo a Europa na década de 1990, por exemplo, tem raízes no embate entre o Cristianismo e o Islamismo. O Papa João Paulo II, em 1993, já chamava a atenção para o massacre das minorias cristãs no Sudão. Huntington ressaltou, também, a carnificina entre Bósnia e Sarajevo, a violência entre sérvios e albaneses, a tensão entre búlgaros e suas minorias turcas e entre russos e muçulmanos na Ásia Central. Enquanto fundamentalistas preparam-se para um choque de civilizações, o Ocidente cala-se diante de qualquer manifestação do mundo islâmico contra sua cultura, contra sua religiosidade e contra seus valores milenares. Já no Brasil, o materialismo histórico dialético marxista que predomina nas análises acadêmicas nacionais mostra-se insuficiente para entender o que leva uma mãe muçulmana a desejar para o filho o futuro mórbido que espera um homem-bomba. De fato, quando mães, que de maneira inata sempre protegeram seus filhos, passam a fomentar o suicídio, algo tem de estar muito errado. E a teoria de Samuel Huntington consegue dar uma pista do que está ocorrendo.
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