“Egoísmo não é viver como quiser; é pedir aos outros que vivam como alguém quiser que vivam.” (Oscar Wilde)
Em recente discurso, Sarkozy disse que o uso da burca “reduz a mulher à servidão e ameaça a sua dignidade”. Segundo ele, a burca “não é um sinal de religião, mas de subserviência” e não é “bem-vinda” na França. O líder francês ainda demonstrou apoio à criação de uma comissão parlamentar para analisar a proibição do uso da burca em lugares públicos no país. “Não podemos aceitar que tenhamos em nosso país mulheres presas atrás de redes, eliminadas da vida social, desprovidas de identidade”, afirmou.
Eu concordo com Sarkozy no que diz respeito ao significado da burca: ela representa, de fato, uma cultura em que as mulheres são submissas. Não deixa de ser espantoso ver a quantidade de “relativistas culturais” que tentam amenizar as atrocidades ainda praticadas nos principais países islâmicos – onde o uso da burca não é nada grave comparado ao resto, em nome da “diversidade”. Já passou da hora de julgarmos de forma mais objetiva o que se passa nesses países, ainda muito atrasados em relação às principais conquistas da liberdade individual. Além disso, entendo a preocupação de Sarkozy com o crescimento da população islâmica na Europa em geral e na França em particular. Num modelo democrático, onde a liberdade pode ser solapada pela tirania da maioria, esse crescimento é sem dúvida um risco.
Não obstante, parece absurdo reagir a este perigo justamente atacando as liberdades individuais. E quando o governo resolve regular até mesmo as vestimentas das mulheres, isso significa que a intervenção estatal está num grau assustador. O governo não tem o direito de se meter nas escolhas pessoais sobre roupa. Não é crime usar a burca, não agride a liberdade de ninguém. Cada indivíduo é livre para escolher o que vestir. Hoje, o inimigo é a burca, mas nada garante que amanhã não seja o quipá dos judeus, o hábito das freiras ou uma camisa do Mises Institute condenando a opressão estatal. Sem um critério objetivo e isonômico, ficamos ao sabor das arbitrariedades momentâneas da maioria. Isso não é liberdade, mas ditadura da maioria.
Em For a New Liberty, o libertário Rothbard defende os direitos naturais de todos os indivíduos, mostrando que não há crime onde não há agressão a estes direitos. Que crime uma mulher está cometendo apenas ao usar uma burca? No livro, Rothbard ataca a visão utilitarista de que a “sociedade” tem direito de decidir algo com base no critério de benefício para o maior número de pessoas. Ele ilustra o absurdo disso através de um exemplo com redheads, supondo que esta minoria fosse vista como agentes do demônio por uma maioria. O extermínio desses redheads talvez trouxesse um benefício “social”, já que eles representam um grupo estatisticamente insignificante, e são detestados pela grande maioria. No entanto, seria claramente injusto eliminá-los com base neste critério utilitarista. Afinal, eles não cometeram crime algum, não agrediram a liberdade alheia. Somente os libertários calcados nos direitos naturais apresentam um critério universal de proteção a estas minorias.
Esses valores de liberdade individual encontraram maior eco justamente nos países ocidentais, após o Iluminismo. Seria uma infelicidade acabar com estes valores em nome da luta contra o atraso cultural islâmico. Os professores Ian Buruma e Avishai Margalit escreveram um livro no qual cunharam o termo “ocidentalismo”, explicado como o retrato desumano do Ocidente pintado por seus inimigos. Nele, os autores tentam explicar os motivos do ódio que leva alguns grupos a declarar guerra ao estilo de vida ocidental e tudo que ele representa. No livro, os autores defendem a idéia de que o combate a este “ocidentalismo”, que prega a destruição dos valores seculares ocidentais, não está no uso do mesmo veneno dos inimigos da sociedade aberta, mas sim nos próprios valores que fizeram do Ocidente uma civilização mais rica e livre. Eles dizem: “Não podemos permitir o fechamento de nossas sociedades como uma forma de defesa contra aquelas que se fecharam; do contrário, seríamos todos ocidentalistas e não haveria nada mais a defender”.
Os países ocidentais precisam defender seus valores liberais, dando o exemplo e contribuindo assim para o avanço nos países islâmicos. Não é proibindo as mulheres de usar burca que a França irá preservar seus valores. Não é atacando a liberdade individual que vamos preservar a liberdade. As muçulmanas devem abandonar suas burcas se assim desejarem. Não cabe ao governo impor isso a elas.
Li rápido e ao invés de “redheads” li “skinheads”. Reforçou meu erro de leitura o trecho “agentes do demônio”. Depois que li “eles não cometeram crime algum, não agrediram a liberdade alheia” foi que percebi que havia lido errado.
Sugiro atualizar o post trocando “redheads” por “ruivos”, que é a tradução.
Obrigado