A necessidade de reformas para acelerar o desenvolvimento econômico é um tema recorrente no Brasil desde que se constatou, duas décadas atrás, que a queda do crescimento não era um evento transitório, resultante apenas da crise da dívida externa. Muitas reformas foram implementadas desde então, mas nos últimos anos esse processo desacelerou, em que pesem algumas importantes exceções, como as reformas da Previdência do setor público e do Judiciário, além de mudanças infra-constitucionais nas áreas de crédito e dos códigos de processo. Mesmo estas, porém, datam de alguns anos atrás.
A diminuição do ímpeto reformista se explica em parte pela aceleração do crescimento a partir de 2004. Esta diminuiu o mal-estar com o desempenho econômico do país não apenas pelas taxas mais altas de expansão do PIB, mas também pela queda do desemprego, o aumento do rendimento real, a forte elevação do investimento, a situação relativamente folgada das contas públicas, a inflação sob controle e a melhora nas contas externas. Se acreditava que esses progressos refletiam uma mudança estrutural; em certo sentido, o ciclo de reformas teria perdido sentido, pois já se alcançara o objetivo a que esse se propunha.
É cedo para dizer o quanto dessa aceleração do crescimento foi estrutural e o quanto era fruto do benigno cenário externo. Independentemente disso, porém, é quase certo que no próximo biênio nosso desempenho econômico vai deteriorar – substancialmente, na opinião de vários analistas. A mediana das projeções de mercado coligidas pelo Banco Central aponta para uma expansão de 2,8% do PIB em 2009, praticamente metade da taxa prevista para este ano. O desempenho do mercado de trabalho e do investimento também vai piorar no próximo ano. Irá esse quadro menos favorável provocar uma retomada das reformas? Há bons motivos para pensar que não, mas também os há para esperar que sim.
O quadro político e a natureza da crise dificultam a adoção de novas reformas. Entrevista do governador Paulo Hartung ao Valor da penúltima quinta-feira exemplifica porque a crise torna as reformas mais improváveis: “A hora de fazer reforma tributária, e isso não é uma visão local, é uma experiência internacional, é justamente no momento de prosperidade, de crescimento”. A posição do governador é consistente com o argumento de economia política pelo qual a expansão econômica gera um excedente – por exemplo, maiores receitas tributárias – que permite acomodar os interesses e receios de grupos influentes, que de outra forma poderiam bloquear a reforma. O processo de composição política fica mais difícil quando a produção e as receitas públicas não crescem, não se gera esse excedente, e a incerteza é maior: “O administrador público já tem uma incerteza (queda de receita), uma apreensão, nós vamos colocar outra, que é a reforma tributária?”
Em que pese a lógica desse argumento, a experiência mostra que as crises tendem mais a acelerar do que atrasar as reformas. Durante a crise, aumenta o custo político de se opor às reformas, pelo risco de ser responsabilizado pelos problemas que ela traz, diminuindo-se a resistência a medidas que seriam politicamente inviáveis em momentos de expansão. A motivação para propor reformas também aumenta, pois estas ajudam a ancorar a confiança, criando a perspectiva de que estão sendo construídas as bases para um melhor desempenho econômico futuro. Esta idéia foi bem capturada pelo presidente eleito Barack Obama, ao defender que a política fiscal expansionista de combate à crise deve ser combinada com medidas voltadas para promover a disciplina fiscal de médio prazo. No Brasil, uma nova reforma da Previdência poderia exercer um papel semelhante, dando a perspectiva de ajuste fiscal de longo prazo, em que pese a esperada deterioração resultante da perda de receita tributária com o menor crescimento.
Outros elementos que alavancaram as reformas em crises anteriores estão ausentes desta vez. Quando a crise ocorre pelo estrangulamento da capacidade de financiamento externo, as reformas entram nas negociações com credores interessados em garantir uma dinâmica sustentável para a dívida. Além disso, aumenta a influência de atores como organizações multilaterais e investidores estrangeiros, que no passado se mostraram importantes aliados dos grupos reformistas domésticos. Esta crise, porém, é diferente das anteriores, devido à posição comparativamente mais confortável das contas externas, o que reduz a influência desses atores.
Outros fatores também conspiram contra o avanço das reformas. A crise comprometeu a liderança intelectual pró-mercado exercida pelos EUA e a Inglaterra desde os anos 1980, em função dos problemas que hoje enfrentam e da percepção de que a crise resultou da pouca e má regulação financeira nesses países. A defesa de reformas pró-mercado também foi enfraquecida pelo aumento da intervenção estatal no sistema financeiro, das novas medidas adotadas pelos bancos centrais a injeções de capital e até a estatização dos bancos. Ainda que essas intervenções sejam apresentadas como emergenciais e transitórias, é de se esperar que nos próximos anos haja mudanças na visão do que seja a melhor prática em termos de política econômica. Passará a agenda de reformas, essencialmente a mesma faz duas décadas, incólume pela crise?
Outro limitante é estarmos entrando no quarto final do atual governo, com a atenção dos políticos crescentemente voltada para a eleição presidencial de 2010 – usualmente é mais fácil aprovar reformas no primeiro ano de governo. Ainda assim, 2009 não tem eleições e oferece uma janela de oportunidade para alguns avanços.
No todo, essas considerações sugerem que o impacto da crise sobre as reformas vai depender da sua magnitude e do tipo de reforma; para algumas, como a previdenciária, trabalhista e regulatória, a crise ajuda; para outras, em especial a tributária, ela atrapalha. Muito vai depender, todavia, do grau de mobilização dos atores envolvidos, do governo às entidades da sociedade civil.
Valor Econômico – 05/12/2008
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