O Globo, 23 de janeiro de 2006 Em sua clássica coleção de ensaios intitulada “A retorcida natureza humana” (1990), Isaiah Berlin registra os fatores que acima de quaisquer outros moldaram a História do século XX. Ao lado do avanço tecnológico, destaca “as enormes tormentas ideológicas que afetaram as vidas de praticamente todos os seres humanos. A revolução russa de 1917 e seus desdobramentos, os regimes totalitários de esquerda e de direita, as explosões de nacionalismo, racismo e intolerância religiosa são fenômenos que exigirão explicações quando nossos descendentes examinarem nossa época”. E recorrendo à citação de Kant de que “nada perfeito poderá jamais ser construído a partir da retorcida natureza humana”, Isaiah Berlin descredencia as utopias totalitárias como guias de conduta: “Como a perfeição não é possível em assuntos humanos, as tentativas de engenharia social produzem sofrimento, desilusão e fracasso.” “A engenharia social foi a maior ilusão e a pior maldição da idade moderna”, reflete Paul Johnson em “Os intelectuais” (1988). “Destruiu milhões de vidas inocentes na Rússia socialista, na Alemanha nazista e na China comunista ao longo do século XX. Aplicadas por regimes totalitários, todas as tentativas de engenharia social foram originalmente obras de intelectuais. E ninguém teve mais influência sobre as idéias e os eventos do século passado do que Karl Marx.” As tentativas de engenharia social e dirigismo econômico confirmaram os augúrios do jovem poeta Marx publicados no Athenaeum em 23 de janeiro de 1841: “Somos primatas criados por um deus frio que uiva gigantescas maldições sobre a Humanidade.” Paul Johnson atribui a formidável influência de Marx “ao fato de que sua filosofia foi institucionalizada em dois dos maiores países do mundo: Rússia e China”. Pois bem, estamos no século XXI. Rússia e China mergulharam de cabeça no capitalismo, além do Leste da Europa, da Índia e do resto da Ásia. A nova História será moldada pela imersão de 3 bilhões de pessoas no capitalismo global. O choque é cataclísmico. Para enfrentar o desafio de adaptação ao aço frio da nova ordem global, é importante enterrar as ideologias que quase asfixiaram a Grande Sociedade Aberta no século XX. O que caracteriza as modernas democracias liberais é a aderência aos métodos civilizatórios, e não a busca de um ideal coletivo. Métodos que são a democracia como mecanismo de coordenação política, mercados como mecanismo de coordenação econômica e a ação social do Estado para aparar as arestas. Como diz Jean-François Revel, em “A democracia contra si mesma: o futuro da onda democrática” (1993): “É um erro criticar as democracias modernas pela falta de um ideal coletivo. Ao contrário, isso as enobrece. Um indivíduo necessita de um ideal coletivo quando é incapaz de escolher o seu próprio ideal. Todo o processo de evolução do Ocidente tem sido o de fazer um indivíduo livre para ser o autor de seu próprio destino. A democracia permite o nascimento de homens livres, mas apenas homens livres permitem à democracia durar.”
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