Com o pedido de concordata da General Motors (GM), o governo americano virou o maior acionista de uma empresa de veículos, secundado pelo governo canadense e ainda com posições minoritárias para sindicato e detentores de dívida. Depois de ser continuamente ajudada pelo Tesouro americano, a GM continuou sem apresentar uma saída crível para a sua dívida maior do que um Hummer, totalizando US$ 172,8 bilhões. E o Tesouro, que entrou de carona no problema, já é o piloto da desgraça.
Nesses dias de agonia da GM, muito se falou de que o governo americano “teve que atuar” para salvar um ícone do capitalismo. Salvar a GM não é salvar um ícone do capitalismo. É justamente o contrário. Trata-se de fazer a danosa mistura entre política e empresas, da qual a sobrevivência da companhia não depende de agradar ao público de forma eficiente – mas do seu poder de lobby em Washington ou Brasília.
O Brasil conhece bem essa história. A Volkswagen daqui trouxe de volta o Fusca, já na década de 90, para o agrado de um ex-presidente antiquado. Do humor de Brasília dependem decisões como redução de impostos para o setor e ajuda via BNDES, tratado normalmente como um grande instrumento do desenvolvimento nacional. Isso porque dinheiro do BNDES está quase sempre associado a grandes investimentos. Por operar taxas de juros abaixo da que o próprio Tesouro se financia, cada operação do BNDES poderia ser tratada como um crime contra o próprio país. É uma espécie de subsídio cruzado, em que os mais pobres (os trabalhadores que financiam a conta via Fundo de Amparo ao Trabalhador, principal financiamento do BNDES) custeiam os empréstimos para grandes empresas.
Sabendo disso, o vice-presidente da GM no Brasil, José Carlos Pinheiro Neto, já adiantou que a empresa, em sua nova fase, vai se financiar no Brasil e através de bancos públicos, que teriam “maior preocupação com o emprego”. Balela. Na hora do aperto, uma empresa precisa enxugar a produção, como fez a Embraer, que demitiu 4.200 funcionários, mesmo contando sempre com recursos do BNDES. E fez o certo, de forma a evitar um prejuízo maior que contaminasse a sua própria competitividade. Fez o que a GM não fez antes, por receio de enfrentar os sindicatos de Detroit e o poder político de Washington.
Empresas tão fortes que se confundem com o próprio setor em que atuam podem ir e voltar, sem de fato resultar em prejuízo a uma nação. A Gradiente era um “ícone” da indústria nacional de aparelhos eletrônicos e praticamente sumiu afogada pelas suas próprias dificuldades. Mas o mercado de vendas de televisões, DVDs e aparelhos de som continua aquecido e crescendo. A Varig hoje perdeu linhas aéreas internacionais e até as cores tradicionais após ser adquirida pela GOL, mas a aviação no Brasil tem potencial enorme de crescimento, levando a abertura de uma nova empresa com proposta diferenciada, como a Azul. Era um outro caso de ícone da aviação brasileira e que foi sumindo sem fazer falta. De onde eu escrevo, no Recife, uma das mais tradicionais redes de farmácias do Estado, com quase 150 anos de atividade, está em recuperação judicial, após fechar várias lojas. E nem por isso houve falta de medicamentos ou comoção pública.
Em todos esses casos, não se deve confundir a demanda de mercado com as empresas que nele atuam. Quando o Estado interfere nessa dinâmica, o patrão da empresa deixa de ser prioritariamente o consumidor para ser o chefe do executivo. Com isso, Barack Obama, que foi eleito para ser presidente dos Estados Unidos, é também agora o virtual presidente da General Motors. E a prerrogativa de decidir sobre lançamentos de carros não estava nas cédulas de votação americana.
Não é transformando a GM em Government Motors que se salvará um ícone do capitalismo. A imagem deste sistema é a do empreendedor, do self-made man, do inovador, de quem começou de baixo e oferece algo novo e melhor para o consumidor. Salvar os grandes e ruins é justamente destruir essa imagem, punir o inovador e eficiente em favor do grande, lento e incompetente. Quem acha que nesta ação está a imagem de um bom governo em defesa da sua economia e do capitalismo encontra-se na mais distorcida Sala de Espelhos da história econômica. Seja aqui ou nos Estados Unidos.
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