Na ata do Copom de março, o Banco Central indicou que não mais mirava a inflação de 2010, optando por manter a taxa Selic constante, apesar de suas projeções indicarem que nesse cenário a inflação do ano ficaria “sensivelmente acima do valor central de 4,5% para a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional CMN”. Reconhecia, assim, que o custo para trazer a inflação para o centro da meta este ano seria alto demais e que melhor seria fazer um ajuste mais gradual, voltado para garantir essa convergência em 2011. Desde então, a expectativa de mercado para a alta de preços este ano subiu 0,4 ponto percentual (p.p.), no caso do IPCA, e 1,9 p.p., no do IGP-M. É bem possível que essas projeções subam mais nos próximos meses e não se pode descartar o risco de que a inflação supere o teto da banda.
A política fiscal também não deve atingir suas metas este ano. O superávit primário do primeiro trimestre de 2010 ficou em apenas 2,1% do PIB, cerca de um terço do observado em 2008, quando o PIB registrou uma expansão semelhante à atual. No acumulado de 12 meses, métrica que controla melhor para a sazonalidade do gasto e da receita pública, esse indicador está em 1,9% do PIB. Dificilmente se conseguirá fechar o ano com um superávit próximo à meta de 3,3% do PIB. Outras facetas da política fiscal também geram preocupação. Por exemplo, as operações de empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, além de elevar o juro implícito sobre a dívida líquida, criam passivos contingentes e reduzem a transparência da contabilidade pública.
Em relação ao crédito público, largamente ampliado desde o final de 2008, em princípio para combater a crise, também não se observa uma desaceleração consistente com o seu prometido caráter anticíclico. No primeiro trimestre de 2010, com a economia brasileira crescendo acima de 7%, o setor financeiro público ampliou os empréstimos tanto quanto os bancos privados. A possibilidade de que o Tesouro aporte novos recursos nessas instituições sinaliza que essas devem continuar expandindo suas carteiras num ritmo forte.
Os mais críticos não hesitarão em enxergar nesse quadro mais do que uma deterioração conjuntural na qualidade da política econômica, lembrando que é mais custoso reverter os desequilíbrios que estão sendo gerados do que simplesmente evitá-los. Muitos estranharão essa visão, considerando a forma positiva como o mundo passou a enxergar o Brasil. Mas não se pode esquecer que o país ficou mais atraente para o investidor, menos pelos progressos que fez recentemente, e mais pela deterioração de fundamentos no resto do mundo.
Se 2010 está essencialmente perdido em termos de ambições da política macroeconômica, é hora de pensar sobre o que fazer em 2011. Essa reflexão é importante não apenas para sinalizar como serão revertidos os desequilíbrios herdados de 2010, mas também no sentido de se discutir qual a estratégia que deve ser adotada no próximo mandato presidencial. Além disso, o primeiro ano de mandato é basicamente a única janela aberta para a adoção de reformas que permitam conter a escalada dos gastos públicos correntes, reformas que em geral não gozam da simpatia do eleitor, como demonstrou esta semana a Câmara dos Deputados.
Idealmente, a política macroeconômica de 2011 deverá focar em dois objetivos. Primeiro, reduzir o ritmo de expansão da demanda doméstica, de forma a conter a inflação e limitar a ampliação do déficit externo. Em especial, isso deve ser feito utilizando um mix mais equilibrado de políticas fiscal, creditícia e monetária. Em 2010, como observou Gustavo Loyola neste espaço, isso está sendo feito com certa dose de esquizofrenia, com a política monetária puxando o freio, enquanto as políticas fiscal e creditícia pisam no acelerador.
Segundo, é preciso aumentar a poupança doméstica, para que se possa elevar a taxa de investimento, viabilizando um crescimento potencial mais alto, sem gerar um déficit externo insustentavelmente elevado. Para isso será necessário mudar a composição do gasto público, reduzindo as despesas correntes e elevando as de capital, em especial em infraestrutura. Isso também passa por reduzir os subsídios dados pelo Tesouro ao setor privado, por intermédio dos bancos públicos, limitando-os aos casos em que haja uma contrapartida social que vá além do ganho privado dos donos e empregados das empresas beneficiadas.
Em 2011 é provável que o novo governo, como é tradicional, aproveite para dar um freio de arrumação, subindo mais os juros e cortando gastos, com programas de austeridade e controles na “boca do caixa”. Se, porém, ousar mais e der uma guinada na direção apontada acima, pode levar o país a um novo patamar de crescimento, com a redução do custo de capital e a alta na demanda por investimentos. A elevada poupança pública, e não o dirigismo estatal, foi o verdadeiro segredo do período de alto crescimento do Brasil no século passado.
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