As multinacionais praticamente não existiam na primeira metade do século XX. Cinqüenta anos depois, quando o mundo se deslumbrava, ou se indignava, com a globalização, elas eram responsáveis por dois terços do comércio mundial – metade dele se dava e se dá dentro de empresas do mesmo grupo. A globalização, vista do ângulo industrial, sem dúvida, é uma criatura das multinacionais e de suas redes de “produção internacional”.
No começo, foram as grandes empresas exportadoras americanas, “pulando” as barreiras comerciais colocadas nos países para os quais exportavam, como no caso das montadoras de automóveis que vieram para o Brasil. Em vez de importar, chamamos as multinacionais para produzir aqui. Era a substituição de importações, um processo que estava longe de ser apenas brasileiro. Na verdade, era mais europeu. Foi na França que apareceram as reações mais mal-humoradas ao fenômeno, como no livro clássico de Jean Jacques Servan Schreiber, O Desafio Americano, que detonou uma torrente de “estudos” atacando as multinacionais. Sempre a França na vanguarda… Em seguida, no Japão dos anos 1970, as empresas exportadoras “migraram” para países com menor custo de mão-de-obra e câmbio menos valorizado para preservar sua competitividade. Os japoneses são pragmáticos: mudaram as fábricas para a Coréia e a Malásia sem queixumes nacionalistas.
Agora, no Brasil, todas essas motivações aparecem nos anúncios das grandes empresas exportadoras brasileiras que fazem investimentos diretos no exterior. No começo, foi o protecionismo no Norte que motivou aquisições, em seguida o offshoring e o outsourcing – e tantas outras flores do mundo dos consultores – com vista à redução de custos, inclusive o custo do capital, ou o objetivo de obter “melhor crédito” ou “rating” que a República. Em alguns casos, já vemos movimentos de consolidação global de mercados, em que empresas brasileiras transcendem o status de multinacionais e se tornam globais. Já vemos multinacionais brasileiras se tornarem empresas globais.
Sim, já temos multinacionais brasileiras – Evo Morales que o diga – e, seguramente, o movimento não vai parar aí. Estudiosos do assunto observam que o investimento no exterior, pelas empresas locais, tem a ver com o grau de desenvolvimento. No começo, o país emergente apenas recebe investimento direto. Com o tempo, suas melhores e maiores empresas exportadoras começam a investir no exterior pelas razões mencionadas. O movimento de internacionalização se generaliza, e o país, que já não é mais propriamente emergente, é “anfitrião” e “investidor” na mesma intensidade. O país deixa de ter “passivo externo líquido”, uma dessas criaturas que causam pesadelos aos economistas marxistas.
No Brasil, em 2006, pela primeira vez em nossa história, o investimento direto brasileiro no exterior (que atingiu US$ 28,2 bilhões) superou significativamente o investimento direto estrangeiro no Brasil (US$ 18,8 bilhões). Não foi um ano típico. Pode-se dizer que a aquisição da Inco pela Vale “distorceu” a estatística. Seria um fato isolado, não estivessem pipocando notícias semelhantes com freqüência cada vez maior. A combinação de câmbio valorizado, subida de preço das ações (a moeda de compra) das empresas brasileiras, desejo de relocalizar a produção (ou partes) para reduzir custos, desejo de garantir acesso e de elevar o porcentual das vendas no exterior para melhorar o rating corporativo e o custo do capital vai produzir mais internacionalização de empresas brasileiras.
Vão aparecer os tradicionais porta-vozes do Parque Jurássico, os inimigos do futuro, a dizer que o Brasil está exportando empregos e indústrias. Lorota. O mundo é um lugar muito grande, o capitalismo brasileiro amadureceu e se internacionalizou de um jeito que muita gente não viu, nem mesmo os capitalistas, ou ao menos uma boa parte deles.
Publicado em Época – Edição 472 – 04/06/2007
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