Esperei para ver os comentários dos economistas e editorialisas dos grandes jornais analisando a recente decisão do COPOM de reduzir em um ponto percentual a taxa básica de juros para remuneração dos títulos públicos. Teve de tudo e o mais freqüente foi sublinhar que estamos próximos do limite mínimo para a redução da taxa, baseado na nota publicada pelo órgão. Menos uma análise, mais uma torcida para manter os juros altos.
Um dos artigos mais consistentes e interessantes que li foi o de autoria do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros (“Sinais de mudança na ação do BC”), publicado na Folha de São Paulo. O economista não perdeu de vista os determinantes estruturais para a redução da taxa, sejam aqueles de ordem puramente econômica, sejam os de ordem política. Convém recordar que o autor sublinha que o Banco Central resistiu à pressão do mercado para um corte menor na taxa, que o mercado sempre escolhe uma atitude conservadora, ou seja, altista, para a taxa básica de juros..
Aqui vai o único reparo que faço ao artigo. Na verdade, o tal mercado aqui citado não é o mercado em geral, mas os operadores do mercado financeiro, basicamente os banqueiros. Veja, caro leitor, que esse conservadorismo não é algo à toa, nascido de uma emanação teórica desenhada para proteger os interesses gerais da Nação. Cada ponto percentual (ou fração) de redução na taxa Selic é perda instantânea de receita do sistema bancário e dos rentistas detentores dos títulos da dívida pública. Podemos dizer que é um conservadorismo de resultados o dos banqueiros e seus acólitos na mídia, se quisermos ser cínicos.
O que vimos nas últimas décadas foi a apropriação da política monetária pelo lobby dos banqueiros e rentistas, que simplesmente colocou o orçamento público a serviço do pagamento dos juros da dívida pública, praticando os maiores do planeta até hoje, mesmo depois dos sucessivos cortes. A definição do nível da taxa de juros tem ganhadores e perdedores, não é algo neutro. Ganham os rentistas e os intermediários negociantes de títulos públicos; perdem os pagadores de impostos. Os rentistas são isoladamente os grandes parasitas do orçamento público, ao lado dos funcionários públicos e dos aposentados. Estamos diante de um fenômeno essencial da economia política.
O último relatório do Banco Central (mês de abril), dá conta de que a dívida pública já soma algo da ordem de R$ 1,4 trilhões. É só fazer conta: um ponto percentual de redução impõe uma perda bilionária aos detentores da dívida pública. Os pagadores de impostos e as futuras gerações agradecem a gentileza involuntária dos membros do COPOM. Dizem que o principal objetivo da política monetária é o controle da inflação. Pelo histórico dos juros altos, deveríamos ter deflação nos últimos anos. O fato cristalino é que o segundo objetivo (não necessariamente em ordem hierárquica) é manter a rentabilidade dos rentistas. Aqui vemos a maior de todas as contradições: o interesse particularista dos portadores da dívida pública contra os interesses gerais dos pagadores de impostos.
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros está certo quando afirmou: “Volto a dizer que, nessas novas condições do mercado de câmbio, será necessário que os juros reais no Brasil convirjam para os de outros países emergentes sob o risco de uma valorização adicional de nossa moeda. O Banco Central não deve, como quer o mercado, continuar trabalhando com um prêmio de cerca de 2% ao ano na taxa Selic por conta de riscos que não existem mais”. O tempo dos lucros abusivos no mercado financeiro está chegando ao fim e dificilmente teremos um repique altista na taxa de juros.
Vale lembrar que essa redução mudará substancialmente as instituições do mercado financeiro, inclusive a da caderneta de poupança, como sublinhei em artigo. A inundação de liquidez que o Tesouro dos Estados Unidos tem feito eliminou de vez a razão fundamental da incerteza econômica do Brasil, que era a dificuldade de financiar os pagamentos internacionais. A crise cambial desapareceu do horizonte. Não apenas o Brasil acumulou reservas, como também o dinheiro sobra no mundo, a taxa de juros ridiculamente baratas.
O má fé conservadora do Banco Central era insustentável. Sou daqueles que imaginam que a taxa atual venha a ser reduzida ainda mais, a despeito da vontade do tal “mercado”. É aguardar para ver.
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