A inflação é péssima, mas o impasse externo mortal” (Simonsen).
Os cadernos de economia de todo o país deram grande destaque para o fato de o Investimento Estrangeiro Direto (IED) ter continuado positivo a despeito da crise externa – até Outubro acumula saldo de US$ 19 bilhões. Analistas econômicos atribuíram isso aos “sólidos fundamentos” da economia brasileira para prazos mais longos de investimento. No presente artigo busco explicar que, apesar de termos melhorado nossa vulnerabilidade conjuntural, ainda não resolvemos nosso impasse externo. Para justificar tal hipótese apresento, de maneira introdutória, a “teoria” do balanço de pagamentos.
Todas as transações comerciais e financeiras entre residentes de um país e não-residentes são classificadas e registradas no balanço de pagamentos (BP). Tal instrumento representa assim a relação econômica entre um país e o resto do mundo – se ele é credor ou devedor frente a estes. O BP se divide em duas contas principais: conta corrente e conta financeira. A primeira se relaciona primordialmente com o lado real da economia, enquanto que a segunda exprime os fluxos eminentemente financeiros que entram e saem do país. Desse modo, exportações e importações (a balança comercial) são registradas naquela conta, já compra e venda de ativos financeiros (ações, títulos de renda fixa, derivativos etc.) são registrados nesta.
Nesse sentido, os saldos econômicos históricos de ambas as contas determinam, em grande medida, se um país é desenvolvido ou subdesenvolvido. Os primeiros, por terem uma economia mais madura, exportam tanto mercadorias quanto capitais para o restante do mundo. Assim, possuem saldos positivos na conta-corrente (porque recebem divisas pelas exportações de produtos) e saldos negativos na conta-financeira (por enviarem capitais para outros países). Já os países subdesenvolvidos são caracterizados justamente pela situação contrária – saldos negativos na conta-corrente, financiados por saldos positivos na conta-financeira.
Intuitivamente pode se imaginar o porquê. Tais países recebem capitais estrangeiros, interessados tanto em investimentos produtivos (o que caracteriza, em grande parte, o IED) quanto em investimentos financeiros (compra de títulos de renda fixa, por exemplo). Exportam produtos agrícolas e manufaturados pouco elaborados, e importam produtos com alto valor agregado. Além disso, por receberem capitais estrangeiros, remetem somas consideráveis de lucros, juros e dividendos para o exterior – que pressionam negativamente o saldo na conta-corrente. Esses países têm assim dificuldades estruturais de gerar receitas cambiais suficientes para cobrir suas despesas em moeda estrangeira, necessitando de capitais externos para tal feito. Em outros termos, possuem o que os economistas denominam de “restrição externa”.
No período recente, entretanto, o Brasil contrariou a série histórica. Devido à grande expansão na economia mundial, conseguiu gerar superávits tanto em conta-corrente (por cinco anos consecutivos) quanto na conta-financeira (em três dos últimos cinco anos). Isso possibilitou o acúmulo de mais de US$ 200 bilhões em reservas internacionais pelo Banco Central. Tal fato, aliado ao virtual desaparecimento de títulos indexados a câmbio na dívida interna e redução significativa da dívida externa líquida (pelo acúmulo de reservas), proporcionou ao país obter o título de investment grade dado pelas agências internacionais de classificação de risco.
Essa situação pôde ser encarada como uma melhora – até significativa – da vulnerabilidade conjuntural do país no front externo. Entretanto, diante do contínuo crescimento da economia, voltaremos ao cenário anterior em 2008: déficit anual em conta-corrente. Isso ocorreu porque ao aumentar a renda doméstica, houve conseqüente aumento das importações e um redirecionamento de exportações potenciais para o mercado doméstico.
Isso só reafirma a tese de que o Brasil ainda não superou – e está longe de superar – sua vulnerabilidade estrutural. Ou seja, ainda continuamos dependendo de capitais externos para fechar o BP. É como se o país fosse um náufrago que ainda tem um estoque de alimentos considerável – as tais reservas internacionais. Mas tal estoque não elimina a sua condição de náufrago.
A única forma de o país eliminar essa vulnerabilidade é aumentando a quantidade e a qualidade dos seus produtos exportados. Como se consegue isso? É necessário que se retome as reformas econômicas da década de 90, de modo a construir um ambiente mais favorável aos negócios. É necessário que se invista, de forma constante, em educação básica, tornando o trabalhador brasileiro mais produtivo. É desse modo que o Brasil conseguirá aumentar (tanto em valor quanto em quantidade) suas exportações, gerando assim receitas cambiais suficientes para, enfim, deixar a condição histórica de naufrágio nas contas externas.
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