Em tempos de crise na economia mundial costumam aparecer os “cavaleiros do apocalipse”. Profissionais que vislumbram o pior dos cenários, proclamando até mesmo o fim dos tempos. Entretanto, por pior que fossem as previsões (e as próprias “conclusões”), nenhuma crise até aqui destituiu por completo o sistema. O capitalismo alterna fases de expansão com fases de recessão, ambas internas ao seu modo de organizar a produção. A atual crise é, portanto, apenas mais uma dentre tantas outras.
” A dinâmica da economia capitalista é ser instável ”
A dinâmica da economia capitalista é ser instável por um motivo bastante trivial: não há um planejador central. As decisões de consumo e investimento, que são as que importam, são tomadas individualmente. São influenciadas pelo estado corrente de expectativas dos agentes econômicos, que aprofundam tanto a bonança quanto a tragédia.
Em outras palavras, quanto melhor for o cenário econômico, mais otimista serão as expectativas para o futuro. Os empresários inauguram novos empreendimentos, confiantes no retorno de seus investimentos. Mais empregos são gerados, aumentando assim o consumo das famílias. Os shoppings ficam cheios, aumentando as vendas e, por conseguinte, as margens de lucro dos próprios empresários. Esse aumento de demanda retro-alimenta o sistema, gerando mais investimentos, impulsionados pelo crédito de também empolgados investidores capitalistas, mantendo assim o crescimento da economia em um ciclo razoavelmente longo.
A bonança contamina a todos, mas deixa também a semente da próxima crise. Pois é exatamente nos momentos de maior euforia que os agentes econômicos tomam menos precauções. A cautela na avaliação de riscos é substituída pela redução das margens de segurança. Por que, afinal, aplicar em títulos do Tesouro americano quando os fundos de private equity estão dando dez vezes mais rentabilidade? Por que manter uma postura contida quando todo o mercado está abandonando a aversão ao risco?
” Em tempos de globalização e complexas inovações financeiras, o mercado endogeniza seu próprio ponto de inflexão ”
E assim, em tempos de globalização e complexas inovações financeiras, o mercado endogeniza seu próprio ponto de inflexão. Afinal, o subprime, uma “inclusão dos naturalmente excluídos”, distribuiu hipotecas para o que os modelos de análise de risco classificam como “demandantes sem qualificação”. Essa miopia dos agentes só é possível em tempos de alto crescimento e busca intensa por rendimentos mais atrativos do que os naturalmente oferecidos. O final da história é conhecido: quem não era qualificado para receber empréstimos acaba provando porque não era, aumentando a taxa global de inadimplência e o volume de “créditos podres” no sistema financeiro.
Ao contrário da bonança, as expectativas se deterioram na crise. O mercado reavalia riscos, atrofiando o volume de recursos emprestáveis. Uma crise de crédito torna-se crise de liquidez, porque os agentes tentam vender seus “créditos podres” e não encontram compradores, amplificando o potencial do estrago. A incerteza predomina entre consumidores e produtores, os shoppings já não ficam mais tão cheios, os empresários param de investir e a taxa de desemprego começa a subir. A crise financeira se torna real, afetando o dia-a-dia das pessoas.
” A bonança amplia o otimismo e a crise amplifica a incerteza ”
A bonança amplia o otimismo e a crise amplifica a incerteza. Ao sistema cabe digerir as causas do crash, por maior que seja o tempo de duração. Os agentes reavaliam uma vez mais porque é importante manter margens de segurança e porque beira ao irracionalismo emprestar sem garantias. Tudo é repensado e recomposto. Os prejuízos são contabilizados e aos poucos a engrenagem se recupera. Os empresários, aos poucos, voltam a entregar propostas de negócios aos bancos. O crédito volta. Os empregos começam a pingar e a demanda por bens e serviços começa a reagir. O ciclo capitalista se completa, com picos e vales. Euforia em um, frustração em outro. Entretanto, a montanha russa nunca sai dos trilhos, apesar de gerar sentimentos extremos. E os pregadores do fim dos tempos acabam caindo de seus cavalos.
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