Ah, se prudentemente aprendêssemos com os escândalos! Mas não é assim. Preferimos seu conteúdo lúdico. “Ué! Escândalos recreativos?”, exclamará o leitor. Sim, é verdade. Embora eles se definam como fatos que abalam a opinião pública, causando revolta ou indignação, cá entre nós, nem sempre é assim. Viraram coisa a ser garimpada e motivos de comemoração. Pessoas se acotovelam para testemunhá-los. Filmes abjetos disputam espaço entre os sucessos de bilheteria. Há os que, perante o escândalo, em público, abrem a boca num pudico e redondo “ooo”, misto de consternação e indignação, e saem dali para se debulhar em gargalhadas no banheiro. Há uns com agenda própria. E todos, rapidamente, fenecem diante da necessidade de novos, maiores e melhores escândalos.
Assistimos nesses últimos dias a uma clara espetacularização dos escândalos. E estes, ao virarem show, passam a demandar requintes de imaginação, capazes de torná-los mais atrativos do que as rendas e os brilhos das partes, já não tão íntimas, das antigas vedetes e coristas.
Por outro lado, estamos perante históricas inadequações decorrentes da leviandade com que, em nosso país, se tratam as questões institucionais de Política, Direito e Constituição. Quando se fusiona o que deve ser separado, favorece-se o imbróglio. Assim, quando se fundem Estado, Governo e Administração, desequilibram-se as responsabilidades, ensejando-se toda sorte de abusos.
O Estado democrático de direito, caro leitor, é um Estado de Política e de Direito, sob a soberania democrática do povo. Ora, um dos nossos maiores problemas reside no fato de o Direito haver saído de seu campo para invadir a Política, deixando, com isso, de ser um bom Direito e passando a fazer má política. Sem partido e sem voto. Mas mesmo assim política, com ideologia, estratégia, intenção e agenda. Rompe-se equilíbrio essencial ao Estado democrático de direito.
Querem exemplos? Perdoem-me meritíssimos, é o que penso: quando um juiz determina a um prefeito que faça isto ou aquilo, pague isto ou aquilo, sem se indagar sobre a disponibilidade de recursos no erário, ele está intervindo na gestão pública e fazendo política. Mais grave ainda, o assim chamado “controle de constitucionalidade” pela Justiça comum permite seja posta de lado a lei em vigor e se crie para o caso uma nova lei, posterior ao fato! Aliás, claramente: as únicas “leis” com força e vigência inafastáveis pela Justiça comum são as súmulas vinculantes do STF, “leis”, afinal, que tiveram que ser inventadas para enfrentar a anomia que se instala.
Como compreender que, em prejuízo da presunção de inocência, se joguem reputações pessoais, durante vários dias, nas brumas da suspeição? Ainda que fosse por um minuto, já seria abusivo. Como abusivo foi – e como excessivo foi entendido pela juíza – o extravagante pedido de afastamento liminar da governadora. Mas o Direito, por falhas institucionais, vai engolindo a Política. É a política sem voto, sem partido e, desde logo, sem democracia.
Por fim, a política com voto, no Brasil, pelos motivos que venho abordando nestes espaços quinzenais, está tão malposta – e por isso tão desacreditada –, que o fenômeno da politização do Direito, aqui descrito, parece até razoável. No entanto, prudentemente, deveríamos aprender com os fatos. É imperioso que nossos juristas e legisladores se debrucem sobre tal realidade para salvaguarda da democracia e da justiça que todos queremos. O papel sobre o qual, ano após ano, inutilmente tentamos “passar a política a limpo” já está inservível.
(Zero Hora, 16/08/2009)
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