Publicado em Época – edição 455 – 05/02/2007
Persistem antigos conflitos que travam o país. A disputa pela presidência da Câmara reflete o velho confronto por cargos e recursos públicos não apenas entre os partidos aliados mas também entre as correntes internas do PT e do PMDB. E o presidente Lula ainda tem de esperar seu desfecho para avançar com a reforma ministerial.
Outro embate recorrente, este conceitual, é o choque dos supostos “desenvolvimentistas” com os defensores da responsabilidade fiscal e monetária. Esse confronto é uma farsa, pois moeda forte e regime fiscal consistente são lubrificantes para a engrenagem do crescimento. Esse truque antigo, reeditado seguidamente nos últimos 30 anos, constitui um disfarce hipócrita na disputa pelo poder. Os contendores tecnicamente mais fracos têm sido bem-sucedidos em desalojar ocupantes de cargos desejados. Sempre à base de uma desqualificada apelação populista.
Essa conversa fiada nos empurrou para a superinflação do início dos anos 80. A farsa se repetiu na segunda metade da década, no acidente histórico que originou a degeneração financeira da Nova República, após o falecimento de Tancredo Neves, enterrando sua máxima que deflagraria a reforma do Estado: “É proibido gastar”. Como, agora, estão sendo removidos, um a um, os verdadeiros arquitetos do bem-sucedido esforço de estabilização do governo Lula.
O conflito verdadeiramente novo está apenas começando. De um lado, nos antigos eixos do poder da máquina federal, os agentes do atraso promovem há décadas a descontrolada expansão de gastos públicos correntes – que subiram acima de 10% ao ano no governo Lula. Bombardeiam incessantemente o Banco Central em sua construção de um escudo institucional do poder de compra da moeda. Impedem a descentralização operacional do Estado brasileiro. E seu erro mais sério e mais profundo consiste na ilusão de que a concentração de poder e recursos no governo federal – e não a dinâmica descentralizada de uma Grande Sociedade Aberta – seja a alavanca do crescimento acelerado.
O PAC é mais uma versão do animismo conceitual, herdado do regime militar, de que o governo vai destravar o país com seus gastos – quando a verdadeira trava é exatamente sua hipertrofia, o decorrente excesso de impostos, sua omissão nas reformas e a regulamentação inadequada para investimentos privados na infra-estrutura. O PAC ameaça os pilares da estabilidade, pressiona os juros para cima, o câmbio para baixo, favorece grupos de interesse por meio de isenções tributárias discriminatórias, abre as portas para a reindexação da economia e não estabelece uma clara agenda de regulamentação.
Do outro lado nessa guerra estão as forças da modernização. Quando propõem a partilha da CPMF e da Cide, os governadores pressionam o governo federal em direção de uma execução mais eficiente das políticas públicas, operada por Estados e municípios. Uma das poucas virtudes da Constituição de 1988 foi ensaiar a descentralização gradual dos recursos tributários. Prefeitos, governadores e suas bancadas representam pressões legítimas de uma democracia emergente. O dinheiro tem de ir aonde o povo está, diriam os mineiros – o compositor e o governador. Mas sucessivas encarnações da social-democracia corromperam o princípio federativo, criando taxas e contribuições não compartilhadas, de forma a concentrar mais poder e recursos nos corredores ministeriais. O que sugere ao presidente o espírito aberto em sua próxima conversa com os governadores. Os ministros que se opuserem à inadiável reforma do Estado darão a Lula um critério de desempenho para iniciar as mudanças em seu ministério.
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