Este ano tinha de tudo no Carmelitas, uma das mais tradicionais agremiações da nova geração de blocos cariocas: padre encontrando Jesus, Rita Lee, defensores da Lei Molhada e por aí vai. O sol estava de rachar e o calor dos foliões despertou a simpatia dos moradores de Santa Tereza, que molhavam a todos com mangueiras de jardim. O desfile seguia animado até que encontrei, em um leque molhado, largado sobre o capô de um fusca velho, o samba do ano, que até então cantara com muita empolgação e pouco entendimento.
Não que esse fosse ruim ou coisa que o valha. Pelo contrário. O que desviou minha atenção foi um trecho do samba que classificava como palpite infeliz a ideia de privatizar o bonde que liga o bairro ao centro da cidade, passando por cima dos Arcos da Lapa. Jamais soube de tal intenção. Mais tarde, uma rápida pesquisa no Google revelou que essa também é desconhecida dos grandes veículos de comunicação, ainda que haja na internet várias referências a protestos contra tal iniciativa. Pelo jeito, mais um caso em que a oposição à privatização gera emoções sem que essa tenha sido nem sequer cogitada, pelo menos de público. Pelo que se viu no noticiário de fim de semana, não será a última vez que isso ocorrerá este ano. É uma pena, pois, ao combater inimigos imaginários, se deixa de discutir os problemas realmente importantes do país.
Mas o maior enigma é por que o brasileiro é tão contrário à privatização. Essa foi um sucesso nos setores em que ocorreu: a CSN e a Embraer, empresas virtualmente falidas pelo Estado, hoje são multinacionais bem-sucedidas; a Vale produz, emprega e investe bem mais hoje do que como estatal; o setor de comunicações multiplicou sua oferta e reduziu seus preços; as estradas sob gestão privada são mais seguras. Há ampla evidência empírica de tudo isso, nesses e em outros casos. O próprio controle social sobre essas empresas aumentou após a privatização, como na área de meio ambiente. Além disso, apesar de a privatização ter sido intensamente investigada pelo Ministério Público, a oposição e a imprensa, não há notícia de corrupção na sua condução, em claro contraste com os frequentes escândalos envolvendo empresas estatais.
A ideologia estatizante da maioria dos brasileiros é um problema do ponto de vista do crescimento econômico, pois o Estado carece de recursos para fazer os investimentos de que o Brasil precisa. A má condição da infraestrutura gerida pelo setor público e a decisão do governo Lula de privatizar as principais rodovias do país ilustram isso. Nossa experiência mostra que a privatização pode ajudar a resolver esse e outros problemas que afligem o país, explorando-se a melhor qualidade de gestão do setor privado e sua capacidade de mobilizar recursos.
Isso não impede que o setor público continue a subsidiar as atividades que considere adequadas. O bondinho de Santa Tereza é um exemplo: é uma importante atração turística e é utilizado pelos moradores de baixa renda do bairro. Parece adequado que sua operação seja subsidiada. Mas essa pode perfeitamente ser feita pela iniciativa privada, o que muito provavelmente reduziria o volume de subsídios necessários para mantê-lo em atividade.
Um bom exemplo pode ser encontrado em outro ponto turístico do Rio de Janeiro: no bondinho do Corcovado. Desde que passou a ser explorado por empresa privada, há cerca de 10 anos, as instalações melhoraram e o movimento aumentou significativamente, ajudando a promover a própria cidade. Algo semelhante poderia ocorrer com o bondinho de Santa Tereza. Em especial, um operador privado ligaria mais para a segurança, pois isso atrairia os moradores e turistas que hoje evitam o bondinho com receio dos furtos frequentes, ampliando a sua receita.
Esse é um exemplo localizado, mas não único. O Brasil conta com poucas alternativas para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população que não a entrega da sua operação a agentes privados, não necessariamente com fins lucrativos. Isso não significa vender os ativos ou acabar com os subsídios, apenas que eles ficarão mais transparentes. Porque há poucas opções, esse deve ser o caminho seguido pelos próximos governos; a dúvida é quanto tempo isso levará e com que rótulo será classificado.
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