Neste quadro de escracho que tem sido a cena política nacional, estão a surgir vários movimentos empresariais com o intuito de assumir com mais clareza de propósitos a sua cidadania política. Pois de políticos tentando se passar por farjutos empresários já estamos fartos! Acabo de chegar do XIX Fórum da Liberdade, organizado anualmente pelo Instituto de Estudos Empresariais, de Porto Alegre, um evento internacional que já conta com a freqüência de cinco mil participantes. Outro movimento a bater tambor, congregando hoje cerca de 20 mil empresas de cerca de 150 federações empresariais, é o Movimento Quero mais Brasil, lançado no mês passado em São Paulo com o propósito de contribuir com a agenda das reformas tributária e fiscal. Entrando no sítio do movimento, inclusive, o leitor recebe o manifesto dizendo que a bandeira brasileira e o próprio país são dele! Que chega de país do futuro, que devemos querer mais Brasil já! Quando todos nós sabemos muito bem que o país nunca nos pertenceu de fato. Que sempre esteve cativo de uma oligarquia política traidora do cidadão eleitor e conchavada com uma burocracia corporativa que sempre fez uso das instituições do Estado para atender seus próprios interesses. Cabe portanto às nossas lideranças empresariais assumir uma atitude claramente política, efetivando uma estratégia de argumentação de ampla adesão social para tirar o Estado das costas da sociedade. Mais do que reduzir a cidadania a uma agenda de reforma fiscal, cabe ao empresariado mais consciente dar o rumo e nos convencer cabalmente de como exatamente pretende mudar o país. Vale lembrar aqui como os lordes ingleses já no século XIII lideravam a contestação ao Rei João Sem Terra com relação aos altos encargos de sustentar a sua majestade sem o devido retorno em serviços. Ou como os produtores da Revolta do Chá americana no século XVIII preferiram jogar sua produção no mar a se sujeitar à cobrança de impostos extorsivos pela monarquia inglesa sem a correspondente representação política. Pois se a cidadania empresarial exige transparência nos gastos públicos de todos os governos dizendo que isso não é ser contra nenhum partido ou político, mas sim a favor do Brasil, não está a dizer o que todos os brasileiros querem ouvir de suas lideranças neste exato momento: a sociedade civil quer, sim, uma alternativa de liderança social precisamente contra esta classe política que está aí! Dizer que querer mais Brasil é exigir que todos os governos não gastem mais do que arrecadam, sem dívida crescente, juros excessivos e gastos mal feitos, exigir mais serviços sociais, investimentos e não dizer como, é dizer muito pouco e perder esta oportunidade única de adesão social. O que o Brasil espera de seus empresários é que não se limitem a clamar, mas assumam com efetividade os seus compromissos de responsabilidade política. A livre iniciativa do protagonismo político de puxar o bom argumento de uma campanha pela mudança radical nos costumes políticos. Que seu principal dever de cidadania, de dizer como a sociedade pode de fato almejar mais transparência fiscal e correta aplicação dos impostos, passa necessariamente por priorizar a pauta da reforma política, coisa que a classe política que está aí não fará. Através de uma campanha de responsabilidade política para além da responsabilidade fiscal dos governantes e da responsabilidade social das empresas, o movimento empresarial deve lutar pela melhor qualificação de nossos representantes, pela maior consciência de cidadania eleitoral, por uma ampla defesa do eleitor nos espaços da mídia, assim como soube um dia conviver com maiores espaços para a defesa do consumidor. Numa palavra: o que o Brasil espera de seus empresários é que não brinquem de estado como atores de responsabilidade social como tampouco de coadjuvantes de responsabilidade fiscal, mas sim, que assumam sua responsabilidade política para coordenar recursos e estratégias para a mudança de nossa cultura política, sobretudo com o concurso da mídia, para o efetivo despertar da consciência de plena cidadania, que já é a um só tempo e essencialmente maior controle social das contas públicas, dos governos e dos mandatos.
O Globo, 04 de maio de 2006
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