Semana passada foi particularmente rica em fatos, variados e desiguais, mas cada um importante pelo que traduziam de bom ou de mau. Para começar escolho um do plano internacional, por sua benemerência singular. Pode ser reduzido a poucas palavras. Acusadas de entrada ilegal na Coreia do Norte, duas jornalistas americanas foram condenadas a 12 anos de trabalhos forçados, mas vieram a ser contempladas com “perdão especial” pelo ditador norte-coreano, mercê de solicitação dita humanitária do presidente Clinton, que acompanhou as prisioneiras em seu retorno aos Estados Unidos. Diante do bom sucesso, o presidente Obama declarou que todos os americanos deviam ser gratos pelo acontecimento, em cujo êxito foram mencionados o ex-presidente Clinton e o ex-vice-presidente Gore “pelo extraordinário trabalho”.
Recentemente, coisa de dois meses, as relações entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos passaram pelo seu pior momento, a partir do segundo teste nuclear de Pyongyang; esta circunstância não impediu o gesto humanitário (e quiçá o tenha ensejado). Seja como for, foi benfazejo e muito. Um ato de clemência que fez bem não apenas a duas jornalistas, ou aos que participaram dele, mas para a humanidade. Parodiando Romain Rolland, não reforma a humanidade, mas ilumina um dia. E mostra que neste mundo desvairado há lugar, às vezes, para alguma coisa de bom. Laus Deo!
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Virando a página, aconteceu aqui, entre nós, episódio singular, protagonizado pelo Ministério Público Federal. A importância e relevância do MP são inegáveis e a própria Constituição se encarrega de prescrever que ele é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e individuais indisponíveis”, cabendo-lhe, outrossim, “promover o inquérito civil e a ação civil pública”. Não é de hoje que se falava na existência de uma investigação ou que outro nome tivesse, ora atribuída à Polícia Federal, ora ao MPF. E até houve pessoas que serviram-se de dados publicados como se fossem originários dessa investigação, que correria em segredo de justiça. Eis senão quando agentes do MPF anunciaram que, no dia seguinte, dariam entrevista informando o ingresso em juízo de uma ação civil pública, baseada em investigação de 1.238 páginas, o que realmente ocorreu. Apareceram, com efeito, o nome de nove pessoas, inclusive o da chefe do Poder Executivo, cujo afastamento do exercício parece que foi pedido.
Não tenho e nem poderia ter informações que me permitissem formular juízo a respeito da ação vindo à luz. No entanto, chama a atenção desde logo o alarde conferido à iniciativa, quando os atos judiciais são ordinariamente discretos. Até porque ninguém que ingresse em juízo com uma ação, seja ela civil ou criminal ou administrativa ou de qualquer natureza, pode antecipar o seu desfecho, pois tanto pode ser julgada procedente como improcedente; de outro lado, uma ação como a anunciada, baseada em 1.238 páginas investigatórias, demanda largo tempo para chegar a seu desfecho. É possível que as pessoas ora indigitadas se investidas de um mandato venham a ser desinvestidas dele muito antes da decisão derradeira, enquanto isso de carregar todos os efeitos malignos que uma denúncia em ação de improbidade administrativa pode acarretar.
Sem emitir qualquer juízo da ação ajuizada semana finda, parece-me que a inaudita publicidade a ela emprestada não seria a melhor maneira para honrar a justiça.
Não sei se não estamos pagando tributo aos ressentimentos históricos armazenados em anos de arbítrio e violência nunca apurados. Mas continuo a pensar que a observância da lei, ainda quando ela beneficie o acusado ou pareça beneficiá-lo, ainda é o mais prudente dos métodos. O remédio mais eficiente seria dedicar atenção desvelada a casos de larga repercussão para que a justiça possa ser feita em tempo decente.
(Zero Hora – 10/08/2009)
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