No mundo a crise continua indefinida, com uma série de indicadores da economia real piorando a cada divulgação. A única certeza que se tem é de que uma recessão global está a caminho, visto que com a economia crescendo menos de 3%, na visão das instituições multilaterais, já se configura um quadro recessivo.
No Brasil, o esforço maior é tentar amortecer esta crise, estimulando a demanda interna e tentando restabelecer um mínimo de normalidade na oferta de crédito doméstico aos consumidores e à produção. Não vem sendo uma tarefa fácil, ainda mais quando se observa o crescimento da inadimplência em janeiro, próxima a 8,2% do total para pessoa física, e a maior seletividade dos bancos em ofertar crédito, cautelosos com as pequenas empresas e os consumidores, o que vem gerando um certo “empoçamento de liquidez” e o alto spread bancário.
Nas ações do governo, um pacote popular para o setor imobiliário vem sendo elaborado, mas já com reação contrária dos estados e municípios, visto que apenas estes teriam perda de arrecadação, ao contrário do governo federal. Este, aliás, já vem perdendo receita nos últimos meses, com a desaceleração da economia, o que vem limitando um pouco suas ações fiscais. Vários pacotes já foram anunciados, todos para setores específicos, como o automobilístico, beneficiado pela redução do IPI na compra de veículos novos ou usados, além de outros em estudo, na sua maioria de perfil mais setorial. O problema é que, junto com isto, o governo vem perdendo arrecadação com a crise, o colocando num dilema entre gastar mais e aumentar o rombo fiscal, ou gastar menos e melhor, preservando uma gestão fiscal, até aqui, relativamente eficiente.
Boatos de mercado sustentam, inclusive, que o superávit primário deverá ser reduzido neste ano, passando dos atuais 3,8% da PEA para cerca de 2,8%. Neste caso, a idéia é compensar a perda de receita usando estes recursos adicionais na preservação dos investimentos públicos (ver PAC) e no custeio da máquina pública, ainda mais depois do reajuste do salário mínimo em 12% e os vários reajustes salariais a servidores concedidos no ano passado. Outra alternativa em estudo seria o avanço das reformas estruturantes, como a tributária, e a adoção de medidas fiscais mais horizontais, visando o benefício da economia como um todo e não a setores “eleitos”. Isto, no entanto, não parece ser o objetivo do governo atual, que vem pregando até uma presença maior do Estado na economia.
Uma observação: sobre a gestão fiscal, até o momento, em janeiro o resultado fiscal acabou decepcionando, com um superávit primário de R$ 5,2 bilhões, acumulando em 12 meses R$ 104,6 bilhões, ou 3,58% do PIB. Já a dívida líquida do setor público foi a R$ 1,09 trilhão, 36,6% do PIB. Lembremos que deste resultado primário favorável em 12 meses, de 3,58% do PIB, cerca de 0,5% são recursos são alocados no Plano Piloto de Investimentos (PPI), sobrando então um resultado real de 3,08% do PIB, já próximo portanto do que vem sendo debatido pelo governo.
Lembremos, também, que este excedente mensal primário deveria ser usado no pagamento de juros da dívida. Se estes não forem pagos acabam incrementando a dívida pública, já acima dos 35% do PIB no programado para o fim deste ano. Uma solução para este problema seria começar a contingenciar despesas de custeio do governo, como os reajustes de salários e as contratações de pessoal, mas estas medidas já foram autorizadas pelo Tesouro e o Executivo, só podendo ser revertidas com a anuência do Congresso. Surgiria, portanto, a alternativa de corte de juro.
Sobre isto, parece consenso a decisão do Copom nesta semana (dias 10 e 11) por um corte de um ponto percentual (a 11,75% anuais), ainda mais quando se tem uma indústria desacelerando fortemente em janeiro contra o mesmo mês do ano passado (-17,2%) e uma inflação sob controle, convergindo para o centro da meta de inflação para 2009, em torno de 4,5%. Novos cortes são esperados para as próximas reuniões, com o juro devendo fechar o ano em 10,25%. Neste caso, estudos recentes do IPEA, indicam que o juro neste patamar representaria uma economia de R$ 26,3 bilhões junto ao Tesouro Nacional, tendo-se como pressuposto que com esta economia os investidores continuariam a demandar títulos prefixados, alternativa esta não muito indicada para períodos de intensa incerteza.
O IPEA, aliás, é ainda mais radical, defendendo um corte de 7 pontos percentuais na taxa básica de juros, a partir da reunião desta semana. Sobre isto, pouco se pode argumentar em sua defesa, dado que a questão fiscal ainda continua mal equacionada, com a baixa qualidade das despesas e a falta de direção como problemas. Na sua maioria, as despesas se encontram concentradas na manutenção da máquina pública e pouco avançaram no incremento dos investimentos públicos, em complementação aos do setor privado. Estes sim deveriam crescer, mas os últimos movimentos do governo não se comprometem nesta direção.
Sobre a questão cambial, o Bacen continua atento à crise. Neste ano, mesmo com alguns momentos mais agudos da crise, o dólar se manteve relativamente sob controle, entre R$ 2,30 e R$ 2,40, com a valorização no ano próxima a 3%. Sendo assim, desde a fase mais aguda da crise, em setembro do ano passado, quatro instrumentos já foram usados para tentar conter a alta do dólar. Foram eles: (1) vendas diretas das reservas no mercado à vista; (2) leilões de linha; (3) vendas de contratos de “swap cambial”, ou não rolagem de “swaps reversos”; (4) além dos empréstimos para o financiamento às exportações.
Por meio destas vendas diretas ao mercado, foram usados US$ 14,5 bilhões das reservas cambiais. Além disso, foram ofertados US$ 9,7 bilhões para o comércio exterior e US$ 9,6 bilhões em linhas de exportação. Também foram emitidos US$ 32,4 bilhões em contratos de “swap cambial”. A soma total dos instrumentos daria então US$ 66,2 bilhões. No entanto, já houve um grande volume de recompras, no total de US$ 6,4 bilhões, o que baixaria este valor para R$ 59,8 bilhões. Além disto, os recursos foram ofertados, mas ainda não foram usados, o que pode ser visto pelo gráfico ao fim, com as reservas cambiais em torno de US$ 199,6 bilhões.
Por fim, em meio à liberação de depósitos compulsórios – recursos que têm de ser mantidos na autoridade monetária pelas instituições financeiras – já foram mobilizados R$ 99,8 bilhões. Estes recursos seriam importantes no esforço de tentar normalizar os canais de crédito da economia, embora boa parte esteja sendo alocada para os financiamentos às grandes empresas, deixando as médias e pequenas de fora.
Conclui-se daí que, mesmo com algum conservadorismo excessivo no balizamento do juro na economia, o Bacen vem adotando medidas acertadas no controle da liquidez e no esforço de irrigar os mercados, secos por ofertas adicionais de crédito. No front fiscal, no entanto, os desencontros ainda são por demais numerosos, o que nos deixa uma impressão de falta de rumo, com o governo atirando para todos os lados. Acertada poderia ser a redução do IPI para estimular a economia, mas a criação de novas empresas públicas (ou agências) e a falta de uma articulação maior entre os vários agentes públicos tornam esta montagem de políticas fiscais anticíclicas algo preocupante para os mercados e a sociedade como um todo.
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