Por Marcelo Côrtes Neri
Me encontro no Peru há duas semanas avaliando quatro experiências de microcrédito em diversos recantos do país. Nesta viagem presenciei algumas lições para o desenho e a administração da política educacional no Brasil. O presidente a pouco eleito do Peru, Alan Garcia, anunciou um programa amplo de avaliação dos professores, pois aqui, tal como no Brasil, a qualidade de educação tem caído nos últimos anos. Como no Peru muitos dos alunos nas áreas rurais – não os melhores que via de regra emigram as cidades – acabaram se tornando, após a formatura, professores nas suas respectivas localidades. Como resultado, a qualidade do ensino segue trajetória descendente função da seleção adversa do quadro de professores. O processo de avaliação é composto de três fases e o professor tem acesso a cursos de formação gratuitos, mas se não conseguirem aproveitamento minimamente satisfatório, não se mantém no cargo.
O resultado desta iniciativa federal peruana tem sido, até agora, deflagrar a maior greve geral dos últimos anos, cuja força motriz é o movimento dos professores de ensino básico. A greve parou o país literalmente, uma baderna geral, fartamente documentada nos meios de comunicação nacionais e – imagino – internacionais. Só para ilustrar com a minha experiência pessoal, eu estava vindo de Cotahuasi e tivemos de fazer diversos desvios de bloqueios na estrada para chegar a Arequipa. Eu ia depois para Puno avaliar uma experiência lá e não pude, pois o aeroporto foi tomado pelos grevistas. Enfim, lição para aqueles que acreditam que para aprimorar as políticas públicas precisa de três coisas: avaliação, avaliação e avaliação. A lição peruana indica que os resultados da primeira avaliação foi aparentemente suficiente para deflagrar o movimento contra-avaliação, embora a sociedade no sentido mais amplo e os pais dos alunos em particular dêem apoio a medida. Embora alguns acreditem que a chave do mistério da greve peruana estaria no financiamento do processo que jorraria do mesmo presidente que andou financiando escola de samba no Rio, há dois carnavais.
Além da avaliação é preciso agregar os mesmos dois componentes: transparência e incentivos. Há quatro anos, quando o nosso querido Maurício de Andrade, recém-falecido, convocou uma reunião na Ação da Cidadania para discutir a transparência dos cadastros da política social com pessoas de todos os níveis da sociedade e do Estado brasileiros. Maurício com a ousadia e a habilidade que o caracteriza instou a abertura pública dos cadastros. O consenso à época era que a informação dos cadastros sociais eram sigilosas e ponto. Hoje o sítio do Ministério de Desenvolvimento Social apresenta a lista dos beneficiários do Bolsa Família, município por município. Muitas vezes esta lista engendra reportagens sobre a filha de prefeito que recebe a bolsa. É um processo duro mas que gera a necessária pressão dos pares e apoio social a qualidade do programa.
Deve-se tornar o mercado de professores do ensino público competitivo na atração dos melhores profissionais no momento de decidir a carreira
Na política educacional com o advento do PDE, o Brasil tem optado pelo aprofundamento dos mecanismos de avaliação da proficiência dos alunos e na distribuição de sinais a sociedade, escolas e prefeitos sobre a qualidade de ensino no Brasil. Não estamos longe do momento quando o conhecimento dos alunos será acompanhado individualmente – e com GPS – ao longo do tempo.
No aspecto de incentivos, todos concordam em motivar com novos recursos condicionais ao desempenho auferido a prefeitos, diretores de escolas, pais e alunos, para financiar a revolução educacional. O aspecto mais crítico e polêmico das discussões que tenho participado tem sido o efeito de incentivos e salários de professores sobre a qualidade do ensino.
Na minha opinião – e do meu fiel escudeiro na área educacional Gabriel Buchman – os professores são o insumo mais importante da educação, depois dos próprios alunos. Pode-se melhorar a qualidade do ensino incentivando o esforço mais intensivo dos que já estão no mercado a se esforçarem e se dedicarem mais, tornando-os mais motivados, ou atraindo profissionais mais habilidosos, talentosos e qualificados para o mercado do magistério. Segundo a teoria dos contratos, existem incentivos a participação e incentivos ao esforço. O primeiro caso se enquadraria no caso de incentivo ao esforço, o segundo no de incentivos a participação.
Cabe priorizar, no caso brasileiro, estruturar uma política a todos os professores observando a sua performance e dos seus alunos. Esta política atrairia os melhores profissionais para a área de magistério do ensino público básico, melhorando assim a qualidade média dos professores. De muito pouco adianta o desenho dos melhores mecanismos de incentivo possíveis se o indivíduo não tem o potencial, ou a qualificação necessária para a tarefa. Mas, por outro lado, não se pode excluir a priori os que estão na carreira destes benefícios. Incentivos como condicionar o salário dos professores ao desempenho dos alunos, reduzir de alguma forma a estabilidade da carreira, ou qualquer outra forma de premiação/punição que se possa pensar são políticas, devem ser postas em prática de forma a atrair melhores quadros. Dada a natural rigidez para baixo dos salários, todo cuidado deve ser tomado com a forma de aumento dos salários dos docentes.
Criar uma estrutura estável de salário dos professores condicionada ao desempenho faria com que jovens com potencial optassem pela carreira de professor do ensino básico, como alternativa a carreiras como de direito carreiras que tem como salários esperados R$ 2360 para dar um exemplo, uma vez que o salário esperado de alguém formado em matemática, letras, história geografia e ciências variam de R$ 1144 a R$ 1470, para brancos urbanos entre 30 e 34 anos. O salário médio do professor das séries iniciais (1ª a 4ª série) no país, que já era muito reduzido, passou de R$ 904 em 2000 para R$ 874 em 2005.
Consigo enxergar um salto na qualidade do ensino no dia em que o nível médio dos professores de português e física do ensino médio público for o mesmo dos advogados e engenheiros, mas com nível de competência e esforço comparáveis. Deve-se buscar tornar o mercado de professores do ensino fundamental público competitivo na atração dos melhores profissionais no momento de suas decisões de carreira. E uma forma politicamente palatável e eficiente é por meio de aumentos nos planos de salário condicionados a desempenho.
(Publicado em O Valor, em 17/07)
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