“Nenhum grande avanço no destino da humanidade é possível
sem que haja uma grande e fundamental mudança nos seus modos de pensar.”
John Stuart Mill
Alguém da imprensa já constatou que “o Pac empacou”. Seria cômico se não fosse trágico. Pois não há outra razão para a crise de violência social e violação legal por que passa o país. E, enquanto o Pac não desempaca, o presidente Lula diz que vai lançar um “pacote da cidadania” para os desfavorecidos, com medidas assistenciais reunindo programas das mais variadas áreas como saúde, educação, crédito, energia, habitação, emprego etc.
O fato é que fico sempre curioso sobre o que pensa afinal sobre cidadania nosso primeiro mandatário. Pois já pelo anúncio e pela encomenda aos ministros da área social, receio que passe para a nação uma noção equivocada de cidadania limitada a serviços sociais. Para além do conteúdo, aliás, devo confessar que esta idéia de governar por “pacotes” me faz lembrar o autoritarismo dos governos militares que não se limitavam à sua função de simplesmente fazer cumprir e tornar eficazes as leis já existentes. Uma contradição mesma do que significa o exercício da plena cidadania.
Mas prefiro acreditar nos compromissos escritos do discurso de posse do presidente quando se referiu à cidadania como conquista da cultura política de um povo, o que me parece bem mais próximo da verdade. Quando se referiu à necessidade de destravar o crescimento econômico do país, “desobstruindo os gargalos e rompendo as amarras que travam os investimentos dos setores público e privados”. Quando se referiu “às reformas mais amplas para aperfeiçoar o marco jurídico e ampliar o diálogo sistemático com as instituições de controle e fiscalização para garantir transparência dos projetos e agilizar sua execução”. Quando afirmou, enfim, que “temos de refletir sobre nossas instituições e práticas políticas”, que “precisamos torná-las mais permeáveis à voz das ruas, fortalecer o espaço público capaz de gerar novos direitos e produzir uma cidadania ativa”, que “nada mais ético do que a promoção do bem comum e da justiça, sendo a reforma política uma prioridade no Brasil”.
Pois bem, presidente! Se governar é estabelecer prioridades, e a correta concepção de cidadania, enquanto cultura política e democracia participativa, é que pode levar a uma inclusão social de fato, e não ao contrário, peço que reflita sobre esta urgência estratégica de destravar sobretudo os bloqueios mentais e preconceituosos dos gestores da máquina pública. Sobretudo os que lhe cercam de propostas de “pacotes de bondades” de assistência social sem a devida contrapartida de emancipação política.
Há duas décadas que estudo os conceitos e o fenômeno da cidadania no Brasil, sua resultante nessa nossa miserável cultura política, e tenho a convicção de que só destravaremos a economia quando destravarmos as mentes dos nossos gestores públicos. Sobretudo o que entendem de cidadania como cultura política da sociedade para se capacitar a participar efetivamente da gestão pública. Manifestação cultural que, para além das manifestações meramente artísticas ou educacionais, é a nossa mais urgente demanda. Pois, para além da transmissão de costumes e conhecimento, transmite os valores e virtudes da democracia contra os vícios de nossa cultura de impunidade. Valores que podem ser difundidos pela excelência de nosso sistema de mídia, atalho estratégico dos nossos sucateados sistemas formais de educação, justiça e representação política, como agentes de transmissão de conhecimentos, costumes e poder.
Aliás, presidente, motivado pela campanha da Petrobras Cultural, acessei o site para inscrição de um de nossos programas de Cultura de Cidadania e qual não foi minha surpresa em notar que as categorias de projetos admissíveis se limitam ao conceito de cultura strictu senso, como manifestações sobretudo das artes. Prova de que a soi disant maior patrocinadora cultural do país, ainda não reconhece a cultura de cidadania como a melhor expressão da cultura política de um povo. O que, pelo teor de seu discurso de posse, presidente, nos parece uma das mais urgentes e estratégicas demandas da nação brasileira. Sobretudo para destravar as mentes que com certeza destravarão a economia.
Publicado em O Globo em 13/05/2007
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