A balança comercial brasileira vem apresentando déficits recorrentes ao longo deste ano. Em outubro passado, ele atingiu US$ 1,177 bilhão, o maior para este mês desde 1998, elevando-o para US$ 1,872 bilhão, no acumulado do ano. O desempenho de 2014 já permite prever que teremos neste ano o primeiro déficit comercial desde 2000. Em tese, isso não é uma má notícia, já que déficits podem ser consequência de um crescimento vigoroso das importações, fruto de nossa pujança econômica. Afinal, na última vez que o Brasil apresentou um saldo comercial deficitário, entre 1995 e 2000, o país passava por um período de acelerado crescimento econômico e acentuada abertura comercial, especialmente com nossos vizinhos do Mercosul.
[su_quote]Conseguimos a façanha de elevar nosso déficit comercial, em um ambiente interno propício à criação de superávits[/su_quote]
Agora, ao contrário do final dos anos 1990, estamos em plena recessão e temos adotado uma série de medidas protecionistas, o que deveria inibir as importações e, ao mesmo tempo, estimular as exportações, aumentando o superávit comercial. Mas, mesmo assim, conseguimos a façanha de elevar nosso déficit comercial, em um ambiente interno propício à criação de superávits. E isso se deve, em grande parte, à perda de dinamismo de nossas exportações de produtos manufaturados. Enquanto as importações de manufaturados cresceram significativamente na última década, as exportações apresentaram um desempenho desanimador, especialmente nos últimos anos. Entre 2008 e 2013, elas estão praticamente estagnadas em torno de US$ 90 bilhões.
Em apenas uma década, a relação entre as exportações e importações de produtos industriais se alterou profundamente no país. Em 2004, o Brasil exportava em torno de US$ 1,10 dólares para cada dólar importado do setor. Essa diferença caiu nos anos seguintes e já em 2007, passamos a mostrar déficits comerciais nesse segmento, com importações de US$ 93,2 bilhões. Apenas quatro anos depois, em 2011, as importações de manufaturados já representavam o dobro das exportações e a expectativa é que neste ano elas ultrapassem os US$ 200 bilhões, quase o triplo do valor esperado para as exportações do setor.
Essa trajetória recente gera preocupação, afinal muitos economistas atribuem à indústria um papel central no processo de criação de inovações e de difusão tecnológica, elementos essenciais para o aumento da produtividade. Dessa forma, a presença de um setor industrial dinâmico seria uma condição indispensável para o próprio crescimento da economia de uma nação. A perda de dinamismo da indústria brasileira estaria, assim, na origem de nossa pífia expansão econômica nos últimos anos.
Estamos na contramão das principais economias emergentes, que estão substituindo os próprios países desenvolvidos como grandes fornecedores de produtos manufaturados. Nesses países, o crescimento das importações gerou mais exportações de produtos industrializados. Aqui, acabaram tirando o espaço da produção nacional, que perdeu importantes elos de diversas cadeias produtivas.
O câmbio e a perda de competitividade das manufaturas
A perda de fôlego da indústria brasileira reflete a nossa baixa competitividade, causada por inúmeros fatores, desde a carência de infraestrutura adequada, passando pela elevada carga tributária até chegar aos encargos trabalhistas. Mas, um aspecto merece destaque especial: a evolução do câmbio. Durante quase uma década, a partir de 2003, a taxa de câmbio brasileira mostrou uma tendência de valorização, prejudicando principalmente o setor industrial, menos competitivo do que o primário. A reversão dessa situação, desde 2012, com a desvalorização do real em relação ao dólar norte-americano, não foi suficiente para elevar as exportações brasileiras, principalmente de produtos manufaturados. Mas o que estaria por trás desse aparente paradoxo?
A resposta está em estudos dos economistas norte-americanos Richard Baldwin e Paul Krugman, ainda no final dos anos 1980. Eles mostraram que países que mantém durante um longo período o câmbio valorizado levam as suas empresas, especialmente do setor industrial, a trocar seus fornecedores nacionais por estrangeiros. Assim, mesmo que essa tendência seja revertida e o câmbio passe a se desvalorizar, isso não afeta substancialmente essa nova reorientação comercial do país, pois as firmas já teriam estabelecido canais de comercialização e distribuição com o exterior.
Parece que isso já está ocorrendo no Brasil. As importações de manufaturados não somente estão crescendo, mas vêm aumentando a sua participação nas compras da indústria brasileira. O coeficiente de penetração das importações industriais – mede a parcela daquilo que esse setor brasileiro consome que é suprido por produtos importados em relação ao total – está crescendo desde o início de 2010. Desde então, esse indicador passou de 16% para 21,9%, no terceiro trimestre deste ano, conforme divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), na semana passada. Ou seja, a indústria brasileira está comprando uma parcela cada vez maior de produtos importados, em detrimento da produção nacional.
O mau desempenho da produção industrial torna até o fraco desempenho das exportações auspicioso. O coeficiente de exportação – razão entre as exportações industriais e a produção total do setor – também mostrou uma trajetória de elevação, no último ano. Mas esse desempenho é resultado de uma queda maior da produção do que das exportações, provocando um aumento do indicador, que chegou a 19,4%, entre julho e setembro deste ano.
Estamos realmente vivendo um momento sui generis no país, muito influenciado pelo comportamento da taxa de câmbio entre 2003 e 2011. A maior participação das importações nas compras de manufaturas não se deve a uma maior abertura da economia, nem o aumento do coeficiente das exportações está relacionado à elevação da competitividade do setor. A melhoria desses indicadores de comércio exterior se deve à nossa indústria preferir tanto comprar quanto vender para o exterior, uma mudança drástica em relação há alguns anos, quando o mercado interno era o centro dinâmico de nosso crescimento.
Fonte: Correio do Povo, 23/11/2014.
No Comment! Be the first one.