Na Europa, uma tênue trégua se fez presente na semana passada (dias 24 a 28), mesmo com as preocupações sobre os rumos da crise ainda presentes. Todos os países mais envolvidos, os chamados PIIGS, anunciaram vigorosos pacotes fiscais e se comprometeram cumpri-los em prazos ambiciosos.
O problema é que ao se comprometerem a cumprir estas metas de ajuste da demanda agregada, pelo lado do consumo do governo, acabam derrubando também a recuperação dos países da região, aumentando ainda mais a pressão contrária da sociedade. Com as economias em recessão, a capacidade de arrecadar se deteriora, o que obriga os governos a um aprofundamento ainda maior dos ajustes fiscais.
Segundo estimativas divulgadas pela OCDE, o PIB da zona do euro deve patinar em torno de 1% neste ano e no próximo (1,2% e 1,8%, respectivamente), mas nossa visão é de que este deve ficar estagnado neste ano e em queda no ano que vem.
Por aqui, num balanço dos cinco primeiros meses do ano, observa-se uma economia ainda superaquecida, com a produção industrial superando os 12% neste ano, assim como o varejo; o desemprego em queda, devendo ficar abaixo de 7% neste ano; as contas públicas sob controle, impulsionadas pela arrecadação em crescimento; mas a inflação ameaçando, assim como a capacidade de financiamento externo, em função da deterioração das contas externas. Façamos, então, uma análise de alguns fundamentos divulgados recentemente.
Setor Público. Superou as expectativas o resultado fiscal de abril. O superávit primário foi a R$ 19,78 bilhões no mês, acumulando no ano R$ 36,61 bilhões, 3,41% do PIB, com ganho de R$ 5,41 bilhões sobre igual mês do ano passado (R$ 30,76 bilhões) e de R$ 70,37 bilhões em 12 meses (de 1,94% para 2,17% do PIB).
Boa parte deste desempenho foi possível devido à arrecadação federal e dos governo regionais, avançando cerca de 15% no ano, mas há dúvidas sobre a capacidade do resultado primário atender aos 3,3% do PIB firmados pelo governo ao fim deste ano. Isto porque as chamadas “despesas incomprimíveis”, como Encargos e Pessoal, devem se manter crescentes, podendo até piorar pelo imbróglio recente sobre o reajuste de 7,7% para os aposentados. Atualmente, as despesas com Encargos e Pessoal respondem por 4,8% do PIB. Para agravar, temos também as despesas com as Transferências para Estados e Municípios que não podem ser revertidas. Uma boa notícia foram os dispêndios dos investimentos públicos, que vêm se mantendo aquecidos neste ano, em torno de 4,38% do PIB.
Pelo lado da dívida pública, atenção deveria ser dada à bruta, que engloba as dívidas da Previdência, dos Estados e Municípios e as injeções de crédito do Tesouro ao BNDES. Esta dívida é usada como parâmetro nos principais países da comunidade financeira internacional, sendo monitorada pelas agências de rating. Por esta, chegou-se a R$ 1,96 trilhão em abril, passando 60,4% do PIB para 60,6% e devendo fechar o ano em torno de 63%. Importante salientar, também, que seria necessário usarmos o saldo nominal, em vez do primário, uma vez que este incorpora os encargos financeiros do setor público, portanto muito mais abrangente e fiel à situação fiscal real do País. Por este, o déficit fiscal do País estaria em R$ 22,84 bilhões no ano (2,13% do PIB e R$ 105,39 bilhões (3,24%) em 12 meses.
No entanto, o que se usa por aqui é o saldo primário, sem encargos, e a dívida líquida do setor público. Esta fechou abril em 42,2% do PIB, devendo recuar a 41,2% em maio, fechando o ano em torno de 40%.
Setor Externo. Em relação ao saldo em conta corrente, em abril acabou negativo em US$ 4,58 bilhões (1,99% do PIB), acumulando no ano déficit de US$ 16,72 bilhões (2,68% do PIB). A justificar esta deterioração, o aumento do déficit de serviços e rendas (49,5% contra abril de 2009), com o aumento das viagens e outras despesas, geradas pelo aquecimento da economia e o forte volume de remessas de lucros e dividendos, causados pelas tensões no mercado europeu e os bons lucros das empresas multinacionais no Brasil.
Para os próximos meses, é possível que este déficit desacelere um pouco, em função da recuperação da balança comercial. Isto porque o reajuste do minério de ferro em 100% e a lenta recuperação da demanda mundial vêm melhorando as exportações. Ao fim do ano, o déficit em conta corrente deve fechar em torno de US$ 43 bilhões, 2% do PIB, com o ingresso líquido de investimentos externos diretos em US$ 32 bilhões. Em abril estes totalizaram US$ 2,22 bilhões.
Sobre estes, no curto prazo a perspectiva é de que recue a US$ 1,6 bilhão em maio, mostrando os impactos da crise da dívida na Europa sobre o fluxo de capitais para os emergentes, em particular, para o Brasil. Acreditamos, no entanto, que esta volatilidade de abril e maio deve se dissipar nos próximos meses, com o ingresso se restabelecendo.
Por fim, a conta de serviços foi negativa em US$ 2,4 bilhões, aumentando em 49,5% contra abril de 2009, com as Despesas com Transporte acusando alta de 110,6% e Viagens Internacionais 59,6%, com remessas totalizando US$ 3,8 bilhões, 66,9% maiores do que no mesmo mês de 2009. Já as reservas cambiais, no conceito de liquidez, totalizaram US$ 247,3 bilhões e a dívida externa atingiu US$ 211,6 bilhões em abril, com aumento de US$ 5,1 bilhões em relação a março.
Nestes dois fundamentos – setores público e externo – observa-se deterioração no setor externo e o excesso de demanda agregada na economia, tanto no setor público como no privado, o que se torna preocupante no longo prazo diante da baixa capacidade de poupança do País. Por enquanto, ambos não configuram risco para a economia. No caso do rombo externo, este vem sendo financiado com investimentos diretos, e a dívida externa, em torno de US$ 211 bilhões, pode ser “coberta” pelas reservas, em torno de US$ 246 bilhões. Já em relação ao fiscal, este vem sendo amortecido pelo bom desempenho da arrecadação, embora os gastos públicos se mantenham crescentes. Estejamos, portanto, atentos a trajetória destes indicadores.
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