Não é tarefa simples a construção de uma Grande Sociedade Aberta. Mas é inegável que somos hoje um canteiro de obras. O escândalo do mensalão está produzindo um visível processo de aperfeiçoamento institucional. E evolução institucional é a própria essência de uma sociedade aberta. Em sua fase inicial, a CPI do mensalão era apenas um sintoma do princípio de Gause: uma guerra de extermínio entre as espécies semelhantes (tucanos e petistas) pelo domínio de um nicho ecológico (a hegemonia social-democrata).
Afinal, a feroz disputa entre o PT e o PSDB tem se limitado à tomada do poder. Ambos se omitiram quanto às reformas necessárias e expandiram os gastos públicos para 40% do PIB ao longo de quatro mandatos. O vazio de sua agenda reduz a vida política a uma sinuosa batalha por recursos públicos.
A radicalização política durante a CPI trouxe uma ameaça de crise institucional, que descartei em artigo neste espaço, em 2 de outubro de 2006. E disse mais: “Uma eventual vitória de Lula daria ao presidente e a seu partido a chance de se libertarem das regras de moralidade dos pequenos bandos, nos quais a solidariedade irrestrita e o silêncio da cumplicidade são sinal de honra.” A economia foi, afinal, o grande eleitor de Lula. A falta de ética na política e de transparência no trato da coisa pública pelo PT foi, quem diria, seu ponto fraco. E o segundo turno, uma importante advertência.
A reeleição do presidente não pode ser reduzida ao esmagamento da ética pela economia. Ficaria sem resposta a pergunta que fiz em 10 de abril de 2006, também nesta coluna: quem somos, os brasileiros? “Predominantemente, milhões de destituídos, miseráveis e ignorantes, apenas em busca de um prato de comida concedido pelo Estado social-democrata?”
A questão começa a ser respondida. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encaminhou denúncia contra 40 acusados ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo no STF, foi favorável à abertura de processo e dividiu a acusação em capítulos que permitem o exame por crime cometido: formação de quadrilha (artigo 288 do Código Penal), corrupção ativa (artigo 333), corrupção passiva (artigo 317), peculato (artigo 302), gestão fraudulenta (Lei 7.492/86), lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) e evasão de divisas (Lei 7.492/86).
Como registra o jornalista Ronald Freitas em reportagem da revista “Época” desta semana, “a decisão do STF de abrir processo contra 40 integrantes do suposto esquema de compra de votos no Congresso é histórica. Representa um sinal da vontade política da mais alta corte de Justiça do país em dar uma resposta à sensação geral de impunidade”.
Particularmente importante para a reformulação das práticas no Congresso foi a abertura de processo contra o núcleo político do esquema do mensalão. Em uma sociedade aberta, a independência dos poderes garante que nem mesmo presidentes populares possam estar cercados de gente que anda fora da lei. Isso não é uma conspiração da mídia. É a construção de uma sociedade aberta registrada pela mídia.
(O Globo – 03/09/2007)
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