Passado um ano da grande crise financeira mundial, que, segundo se garantiu na época, iria provar definitivamente a malignidade do “neoliberalismo”, deixar clara a necessidade de controles estatais muito mais rígidos sobre a economia e, quem sabe, até resgatar do mundo dos mortos o prestígio do socialismo, é interessante conferir um pouco o que aconteceu na prática com essas certezas. Não há muita novidade a relatar, apesar de toda a intensidade do choque e do furor extremo com que se reagiu a ele; na verdade, considerando-se tudo o que foi dito sobre “esgotamento do modelo”, “falência de um sistema de pensamento” ou “fim dos mercados”, para não mencionar o surgimento de uma nova economia, a impressão é que o espaço de um ano é tempo curto demais para uma avaliação segura. Deve ser isso. O que tinha de acontecer não aconteceu; vamos esperar mais um pouco, então, para ver se sai coelho desse mato.
É verdade que os governos do Primeiro Mundo, a começar pelos Estados Unidos, jogaram trilhões de dólares em operações de socorro a bancos e grandes empresas; chegaram, até, a ficar no controle acionário de gigantes da iniciativa privada. Mas isso não os levou a mudar de natureza ou a descobrir as vantagens do socialismo. Logo depois de fazer o que acharam que deveria ser feito para limitar o desastre, voltaram ao “modelo esgotado” e continuaram tão capitalistas como sempre. Na eleição recém-realizada na Alemanha, a mais importante desde o estouro da crise, os socialistas ficaram com menos de um quarto dos votos. Seria a primeira grande oportunidade para o eleitorado da maior potência europeia fazer uma clara condenação aos “mercados”, mas o que ele fez foi justamente o contrário — impôs à esquerda alemã sua pior derrota eleitoral dos últimos 60 anos. As bravas tentativas iniciais de acabar com as remunerações extravagantes dos executivos do setor financeiro, ou pelo menos limitá-las, foram perdendo pouco a pouco o gás, e hoje os governos quase já não falam mais do assunto.
Bolsas, bancos, casas de investimento e outros agentes do comércio financeiro, cujas atividades deveriam ter se tornado inviáveis pela perda da confiança dos investidores, funcionam regularmente todos os dias; a crise não eliminou a existência do dinheiro no mundo e o dinheiro continua precisando de lugares para ir. Em suma, feitas as contas, resulta que o mundo de outubro de 2009 é notavelmente parecido com o mundo de outubro de 2008
Fonte: Revista Exame, 15/10/09
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