Os indicadores mais recentes da economia brasileira são um indicativo de que o pior da crise ficou para trás, facilitando na nossa construção de cenários. Se no início do ano, o horizonte era totalmente turvo, pela fase de indefinições gerada pela seca absoluta de crédito nos mercados globais, com a montagem das projeções se tornando um exercício difícil de adivinhação, agora o que se vê, pelo menos no Brasil e alguns emergentes, é uma recuperação consistente da atividade econômica, pontuada por indicadores melhores de confiança do setor privado.
Sendo assim, acredita-se que este segundo semestre registrará uma retomada da economia, com o PIB podendo vir a crescer cerca de 4,5% no quarto trimestre contra o mesmo do ano passado, impulsionado pela demanda interna, com destaque para o segmento de bens duráveis, em função da redução do juro, normalização na oferta de crédito, isenção de IPI e os vários programa de transferência de renda implementados, como os reajustes do Bolsa Família e do salário mínimo, neste ano, acima da inflação. Neste contexto, devemos salientar o impulso do consumo do governo, embora seja questionável sua qualidade, dado que este vem se concentrando mais nas despesas de custeio e na manutenção da máquina pública, com os investimentos meio que de lado, dado os atrasos nas obras do PAC.
Sendo assim, com o consumo puxando o crescimento deste ano, representando 60% do PIB, é possível que os investimentos sejam também retomados, mas estes costumam responder a estímulos de política econômica de uma forma mais lenta, em função do longo prazo de maturação.
Neste cenário traçado, quase consensual, de retomada da economia ainda neste ano, é possível vislumbrar um PIB final próximo à estabilidade, mas dúvidas surgem quando enxergamos o próximo ano, dadas as incertezas observadas na economia norte-americana, já que a fragilidade do seu sistema bancário e a trajetória da dívida pública ainda preocupam. Embora os indicadores mais recentes da economia norte-americana mostrem alguma recuperação, superando a fase mais aguda da crise, estes ainda não se mostram consistentes o suficiente para que possamos visualizar o fim da recessão. Com o mercado de trabalho ainda muito impactado, a taxa de desemprego indo a 10% da PEA, na certa, esta retomada acabará mais lenta do que nos mercados emergentes, tendo como destaques o Brasil, a Índia, e principalmente, a China, o principal player do cenário mundial.
Sim, porque a China terá um papel crucial nesta retomada global, dada sua forte demanda por commodities (agrícolas e minerais) e o bom ritmo dos seus investimentos em infraestrutura. Para este ano, as projeções indicam um crescimento em torno de 8%.
Nos EUA, a retração da economia deve chegar a 2,5% neste ano, mas a retomada mais firme a partir de 2010 terá que vir pela recuperação consistente do consumo privado, ainda travado, com o nível de poupança chegando a níveis inimagináveis, em torno de 5% do PIB. Lembremos que nos últimos anos os EUA conviveram com “déficits gêmeos” crônicos, financiados, na sua maioria, pela poupança da China e de outros emergentes. Agora, embora o desequilíbrio fiscal seja uma realidade, dadas as injeções de recursos realizadas pelo Fed e pelo Tesouro, acima de US$ 10 trilhões, se observa um movimento de retração da demanda agregada do País, dada a profundidade da crise enfrentada.
Com isto, e diante de um panorama frágil no mercado de trabalho, dúvidas surgem sobre o fôlego da recuperação norte-americana, já que a perda de emprego pode acabar como um obstáculo a mais, além da forte deterioração fiscal nos últimos anos. Sendo assim, na “sopa de letrinhas” que se transformou o debate em torno da trajetória das economias e dos mercados, a superação do pior da crise nos leva a achar plausível uma recuperação em forma de “U”, embora um novo mergulho, formando um “W” não deva ser totalmente descartado, dada a fragilidade da recuperação norte-americana.
É fato, porém, que no Brasil, o cenário indica uma recuperação, para muitos prematura, mas reflexo de políticas econômicas acertadas nos últimos anos. Sairemos primeiro da crise, acompanhados por outros emergentes. No entanto, a baixa qualidade da política fiscal pode nos levar a experimentar um período de crescimento no ano que vem, abaixo do nosso potencial. Deveremos crescer cerca de 3%, abaixo dos 6% a 7% possíveis, visto que os investimentos públicos, importantes na sinalização do setor privado, devem vir num volume ainda insuficiente, com as “externalidades positivas” ainda limitadas. Isto se baseia em muito no fato de que as obras do PAC em infraestrutura continuam patinando nos vários entrave legais e burocráticos existentes na economia brasileira.
Somado a isto, há uma preocupação de que a retomada da demanda, numa velocidade excessiva, acabe por colocar o Bacen num dilema de ter que controlá-la, embora a capacidade ociosa ainda dê uma certa margem de manobra para um crescimento no primeiro semestre do ano que vem sem maiores pressões inflacionárias.
Neste contexto, é preciso estarmos atentos ao ritmo de crescimento da economia, puxado pela demanda, mas com a retomada dos investimos ainda lenta. A seguir, façamos uma avaliação dos principais fundamentos da economia nacional neste ano e suas perspectivas para 2009/2010.
Trajetória da Política Monetárira. O último corte da taxa de juros veio sem surpresas. Segundo o Bacen, este novo patamar de juro (8,75%) deverá ajudar “na recuperação não inflacionária da atividade econômica”, sendo um indício de que esta foi a última de uma série, iniciada em janeiro, com redução de 5 pontos desde então. No patamar de juro real, entre 4% e 5%, há espaço para uma retomada da economia sem maiores pressões inflacionárias, dado que a capacidade ociosa da indústria é considerável, mas preocupa a velocidade desta, visto que há um gap histórico entre a capacidade de resposta da produção, na ampliação dos investimentos e o ritmo da demanda. Sendo assim, não surpreenderá se o Bacen voltar a pisar no freio, com uma nova puxada do juro no ano que vem. O mercado futuro de juro, inclusive, sinaliza esta possibilidade, diante de um consumo privado aquecido e os gastos públicos ainda preocupantes. Com isto, ao fim do ano de 2010 estamos projetando uma taxa em torno de 9,5%.
Trajetória da inflação. A inflação global e a doméstica continuam sem força. Pela OCDE, as estimativas para este ano indicam uma deflação em torno de 0,1% entre os países desenvolvidos, com o IPC dos EUA derretendo 0,6% em julho e na Zona do Euro o recuo chegando a 1,4%. Por aqui, os IGPs seguem negativos, com os IPAs recuando 3,5% em 12 meses, no caso do IGP-M. Ao contrário, os IPCs avançam 4,7% por este mesmo índice da FGV, decorrente das pressões dos preços administrados, que devem começar a se dissipar nos próximos meses e no ano que vem, em função da queda destes mesmos IGPs. No desempenho destes, os preços agropecuários recuam cerca de 8,3% e os industriais, um pouco menos, 1,6%. Já pelo lado dos IPCs a maior pressão vem dos alimentos processados. Para os próximos meses, os IGPs devem continuar em baixa e os IPCs um pouco mais altos, previstos em torno de 4,0/4,5% ao fim deste ano, justamente no centro do sistema de metas. Para o ano que vem, na ausência de pressões nos preços administrados, a indexação deve perder um pouco de força, com os IPC devendo ficar próximos a 4% e os IGPs próximos a 3%.
Trajetória da taxa de câmbio. O retorno dos recursos externos ao País pode ser um bom indicativo da recuperação da confiança dos estrangeiros no Brasil. Estes, inclusive, já começam a achar o nosso mercado como o mais promissor do mundo, alguns mais até do que a China, dada a nossa estabilidade democrática e institucional, além da transparência de informações, ao contrário dos chineses. Nesta retomada firme, boa parte do foco vem se dando através de investimentos externos diretos, mas não devemos nos esquecer do ingresso líquido no mercado de ativos, com destaque para bolsa de valores. Em julho, o saldo cambial acabou mais uma vez positivo, em US$ 1,27 bilhão, com o comercial negativo em US$ 2,8 bilhões, mas o financeiro elevado a US$ 4,1bilhões. Sendo assim, ao fim deste ano a tendência deve se manter na apreciação cambial, mas com alguma volatilidade no meio do caminho. Neste caso, predomina a tese de que o dólar segue se depreciando em função dos problemas estruturais da economia global, com os emergentes como principais credores da economia norte-americana e o dólar perdendo espaço como “reserva de valor global”. Ao fim deste ano estamos prevendo o dólar em torno de R$ 1,80 a R$ 1,90, em viés de queda, não descartando um patamar abaixo disto em 2010.
Trajetória das contas públicas. O desempenho do setor público segue preocupante neste ano, em função da baixa qualidade das despesas correntes e do baixo volume de investimentos públicos. Enquanto as despesas com a manutenção da máquina pública seguem céleres, a arrecadação continua perdendo fôlego. Em junho, o superávit primário foi a R$ 3,4 bilhões, com o governo central fechando no vermelho, compensado pelos governos regionais e as empresas estatais sustentando este saldo favorável. No primeiro semestre o saldo veio positivo em R$ 35,3 bilhões, 2,44% do PIB, bem aquém do registrado no mesmo período do ano passado (5,86%), e nos 12 meses, foi a 2,0% do PIB, abaixo da meta estipulada pelo governo, de 2,5% do PIB. Na verdade, com os 0,5% do Fundo Soberano e mais 0,5% do Projeto Piloto de Investimentos, esta meta cairia para 1,5% do PIB. Neste cenário, a dívida líquida do setor público acabou elevada a 43,1% do PIB, crescendo 0,5 p.p. em relação à maio. Como já comentado antes, a justificar esta deterioração a perda de arrecadação e o avanço das despesas com pessoal, que no ano cresceram 21%.
No cômputo geral, as despesas com custeio e na manutenção da máquina pública avançaram 22,8% no semestre, com os investimentos perdendo fôlego, crescendo menos do que no mês anterior, passando de 26% até abril para 21,8% até junho. O problema é que as despesas com custeio são permanentes e devem pressionar as contas fiscais no futuro. Neste segundo semestre há previsão de mais despesas com o reajuste do “Bolsa Família” e a segunda parcela de reajuste para os servidores públicos. No entanto, o governo argumenta que haverá um avanço da arrecadação pelo reaquecimento da economia neste período e ao longo do ano que vem. Aguardemos os próximos passos do governo, mas lembremos que 2010 será ano de eleições.
Trajetória do setor externo. O saldo em conta corrente de junho veio negativo em US$ 535 milhões, surpreendendo o mercado que esperava um saldo positivo, em função do bom desempenho da balança comercial (alta de 70% contra junho de 2008). Outro destaque veio da conta financeira, com o ingresso líquido de investimentos estrangeiros em carteira chegando a US$ 1,8 bilhão. Em 12 meses, o saldo em conta corrente foi negativo em US$ 18,4 bilhões. A conta de serviços registrou déficit de US$ 1,9 bilhão, com as despesas com transportes recuando 34,7%, as com viagens 6% e as remessas de lucros 11,1%. Já os investimentos externos diretos somaram US$ 1,5 bilhão e as reservas cambiais totalizaram US$ 208,4 bilhões. Ao fim deste ano estamos prevendo um saldo negativo em US$ 28 bilhões, só não sendo pior em função da recuperação da balança comercial.
Concluindo, acreditamos na tese do descolamento, com os emergentes saindo primeiro da crise do que os ricos. Nestes, os EUA devem se recuperar primeiro que a Europa, atolada na sua chamada “euroesclerose”. Resta saber, no entanto, se a retomada global será consistente no ano que vem, dada a forte elevação dos gastos públicos e as possíveis pressões inflacionárias numa economia em retomada. Com a palavra, os bancos centrais e os governos, nas suas políticas ativas.
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