Algumas pessoas se orgulham, atualmente, do adjetivo “bolivariano”. Não há, de modo algum, um sentido preciso para esse adjetivo. A propaganda nos quer fazer crer que este adjetivo se associa a princípios para a distinção entre o “bem” e o “mal”. Adjetivos escondem mais do que revelam. Para alguns, escondem deliberadamente. Para outros, enganam.
É como na história “Alice no País das Maravilhas” no qual o personagem Humpty Dumpty, sob a forma de um ovo em cima de um muro, afirma: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu quis que significasse, nem mais, nem menos”. Era a forma de Lewis Carroll, matemático e lógico, criticar as possibilidades de apropriação da linguagem pelo poder da convenção.
Uma das sensações recentes nas redações de jornais – e daí ecoadas em alto e bom som para a sociedade – foi o protesto de dois presidentes e uma organização juridicamente inexistente, todos adeptos do discurso “bolivariano” (Chávez, Castro e MST) contra as negociações entre as administrações Bush e Lula da Silva em torno do etanol. Há diversas críticas importantes que se podem fazer sobre este acordo, mas é preciso, como dizia Marx, enxergar a essência além das aparências. Qual o discurso da trinca bolivariana? Reclama-se que a realocação de recursos terá impacto positivo sobre o preço dos alimentos, gerando, num cenário pessimista, mais fome e pobreza (e a culpa, possivelmente, será do mercado, na visão bolivariana, embora esta realocação seja toda promovida pelo governo).
Há críticas a serem feitas ao programa do etanol e o economista Marcus R. S. Xavier, do Ibmec, apontou alguns deles em estudo recente, disponibilizado na página do Competitive Enterprise Institute (www.cei.org). Contudo, como aprendemos em economia, uma coisa são as palavras, outras são as escolhas. Na prática, o discurso pode ser outro. Quem demanda o acordo? Quem o oferta? No lado “Lula” da aliança Bush-Lula existe o governo que discute possíveis incentivos à produção de um bem, o etanol. Este é o ofertante, no caso, um monopólio, pois apenas o governo pode forjar leis. Do lado da demanda, há todos aqueles que possuem algum poder no agronegócio. Em outras palavras, há o setor sucro-alcooleiro, os produtores rurais, o próprio MST e similares. Estes, observando a possibilidade de obter ganhos com a nova política, se articulam buscando garantir seu quinhão nas políticas e no orçamento públicos.
Agora, veja bem, este texto se iniciou com a divulgação de uma notícia de que o MST, um dos interessados na política do etanol, divulgava para toda a sociedade sua posição contrária ao etanol.
Pois bem, após mais ou menos uma semana, podemos ler que o mesmo movimento apresentou ao BNDES um projeto para viabilizar a produção de biodiesel. Subitamente, o discurso bolivariano se dissolve diante da linguagem neutra da oferta e da demanda. Traição? Crime? Nada disto, apenas a boa e velha racionalidade econômica operando como sempre ensinamos em cadeiras que ensinam microeconomia.
Chama-se este tipo de comportamento de “rent-seeking”: o governo oferta uma política pública e grupos de interesses específicos (não necessariamente com a mesma ideologia) lutam por eles. Por incrível que pareça, muita gente chama isto de “neoliberalismo”. Experimente fazer o contrário e chamar o “socialismo real” (Adeus Lenin) de socialismo: dirão que você distorce os fatos. Mas chame a realidade não-liberal de não-liberal e dirão que você oculta a essência com uma falsa aparência. Como se somente eles não blefassem.
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