A indústria brasileira continua mostrando sinais de fraqueza. Repetindo o que havia ocorrido nos meses anteriores, em maio passado a produção industrial manteve a sua tendência recente e declinou 0,6% em relação ao mês anterior. No acumulado do ano, a queda já chega 1,6%. Ao longo do ano, o setor vem perdendo força e essa situação está se disseminando para a maioria dos setores. Nada menos do que 17 dos 26 ramos industriais investigados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registraram redução de sua produção nos primeiros cinco meses do ano, em relação ao mesmo período de 2013.
[su_quote]Embora a perda de dinamismo do setor industrial brasileiro não seja um fenômeno recente, ela parece estar se acelerando[/su_quote]
O setor de veículos automotores é o que apresenta o pior desempenho, com queda de 12,5%, entre janeiro e maio, em relação ao mesmo período do ano anterior. Produtos de metal e fumo também mostraram uma retração significativa, chegando a quase 10%. O setor com melhor resultado é o de equipamentos de informática e eletrônicos, impulsionado pelo aumento da produção de televisores, algo comum em anos de Copa do Mundo, com uma expansão de 14,7%.
Embora a perda de dinamismo do setor industrial brasileiro não seja um fenômeno recente, ela parece estar se acelerando. Ainda nos anos 1990, a indústria havia perdido espaço na geração da riqueza nacional, com sua participação no PIB declinando 32,2% para 27,7%, ao longo da década. Naquela década, além de um intenso processo de liberalização comercial, houve uma forte valorização da moeda nacional, nos anos seguintes à criação do real. Esses dois fatores conjugados reduziram a competitividade da indústria nacional em relação aos produtos importados. Em meados da década de 2000, a indústria chegou a ensaiar uma suave recuperação, mas, nos últimos anos, ela novamente voltou a perder espaço. Em 2013, ela representava apenas 24,9% do PIB.
Os dados relativos ao início deste ano, que mostram uma nova retração do setor, podem ser explicados pela perda de fôlego tanto do mercado interno como externo. Até recentemente, mesmo com a perda de competitividade no exterior, o consumidor brasileiro ainda dava ânimo à indústria nacional. Mas agora, com o encarecimento do crédito e o aumento do endividamento das famílias, o consumo – o último refúgio da indústria nacional – já não consegue manter o dinamismo do setor. Esse quadro tem se refletido na queda do nível de confiança do empresário industrial, que vem caindo mês após mês ao longo de 2014. Essa piora das expectativas acaba inibindo novos investimentos. Nem mesmo os recentes estímulos concedidos pelo governo, com a manutenção do IPI mais baixo para o setor automotivo e de móveis, parecem capazes de tirar o setor de sua situação agonizante.
Déficits comerciais da indústria se avolumam
Entre os economistas, há quase um consenso sobre o papel decisivo da inovação e da difusão tecnológica no aumento da produtividade. No longo prazo, como se sabe, o crescimento econômico anda lado a lado com a elevação da produtividade de um país. Enquanto os economistas ortodoxos atribuem a todos os setores da economia o mesmo peso para explicar o comportamento da produtividade, os economistas chamados de estruturalistas identificam na indústria um papel central nesse processo. Esse setor seria a principal fonte criadora e propagadora de progressos tecnológicos, bem como o responsável por significativos retornos crescentes de escala. Dessa forma, a presença de um setor industrial dinâmico seria uma condição indispensável para o aumento da produtividade e do próprio crescimento da economia de uma nação.
Pela importância conferida ao setor industrial, os economistas têm tratado a questão da desindustrialização com posições divergentes. De um lado, capitaneados pelo economista Bresser-Pereira, colocam-se aqueles que acreditam em uma perda de relevância precoce da indústria brasileira, provocada, principalmente, pela tendência de valorização da taxa de câmbio. Essa corrente identifica na perda do dinamismo industrial brasileiro, nas últimas décadas, uma limitação às possibilidades de crescimento de nossa economia no futuro.
Embora a discussão ainda esteja longe de se esgotar, o menor dinamismo do setor industrial tem levado cada vez mais economistas a se renderem aos argumentos pró-desindustrialização precoce. É justamente a precocidade do processo de desindustrialização brasileira que mais tem preocupado. Países desenvolvidos, a partir de certo nível de renda per capita, começaram a se desindustrializar, devido à concorrência de países onde a mão de obra é mais barata. Como consequência, esses países deixaram de produzir bens industriais, especialmente de baixa tecnologia, transferindo sua mão de obra para setores de serviços com maior intensidade tecnológica e níveis de renda e de valor adicionado per capita mais altos, portanto, com salários médios melhores.
Quando o processo ocorre dessa forma, a desindustrialização não se torna prejudicial ao crescimento econômico. No entanto, em países como o Brasil, que ainda apresentam uma renda per capita relativamente baixa, esse processo de transformação estrutural seria prematuro. A precocidade da desindustrialização brasileira também estaria associada à existência da chamada “doença holandesa”. Isto ocorre quando o aumento das exportações de commodities, e a consequente valorização da taxa de câmbio, afeta negativamente o setor industrial. Isso ocorreria devido à concentração dos recursos da economia em setores de maior rentabilidade, ligados à exploração de recursos naturais abundantes e de baixo valor adicionado.
Déficits na indústria
Nesse caso, o setor primário não é tão afetado por uma taxa de câmbio valorizada, enquanto a área de bens comercializáveis, de maior valor agregado, necessita de uma moeda ligeiramente mais desvalorizada, pois é menos competitiva. Mesmo aqueles setores industriais que possuem uma tecnologia em “estado de arte” e alta produtividade sofrem com o câmbio sobrevalorizado.
Um aspecto apontado pelos economistas que se alinha à tese da desindustrialização precoce se refere a pouca efetividade, ou até mesmo a ausência, de uma política industrial nas últimas décadas. Isso teria colaborado decisivamente para o processo de perda de competitividade da atividade industrial no país. Desde os anos 1980, percebe-se uma falta de coordenação entre as ações públicas e privadas com foco no crescimento econômico. É o oposto do que aconteceu entre o período pós-guerra e o final dos anos de 1970, onde a política industrial era um componente importante da política econômica. Na época, houve uma articulação entre os novos setores industriais e agentes econômicos ao redor de um projeto de crescimento, que proporcionou as maiores taxas de expansão do PIB brasileiro ao longo do século XX.
Atualmente, o que se percebe são inúmeras ações pontuais feitas pelo governo federal, muitas vezes desconexas, que não têm tido êxito em estimular a economia. Entre elas, destacam-se a redução do IPI para alguns setores ou a desoneração da folha de pagamento para outros. Aqui, não se trata de voltar no tempo, usando as mesmas fórmulas que já se tornaram ultrapassadas. Ao contrário, a política industrial deveria servir somente para estimular aqueles setores potencialmente competitivos internacionalmente, preferencialmente intensivos em tecnologia, e de modo provisório. Além disso, seria bem-vinda uma política macroeconômica que privilegiasse o equilíbrio fiscal e taxas de juros relativamente baixas, o que evitaria a recorrente valorização do real. A combinação desses ingredientes iria elevar a competitividade das empresas que atuam no país, aumentando a sua participação no bolo econômico.
Fonte: Correio do Povo, 27/07/2014.
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