Uma das maiores novidades da revisão da metodologia de cálculo do PIB foi o registro de um formidável avanço no consumo de massa. É a maior satisfação dos desejos, das ambições e dos prazeres da população brasileira. Os meios de comunicação exibem oportunidades ilimitadas de riquezas materiais. Uma celebração dos sentidos, um festival de sonhos. As propagandas, as novelas, os filmes e os mitos da sociedade afluente, de aspirações infinitas ao alcance das mãos, por um lance de sorte ou de pensamento mágico.
As estradas e os aeroportos estão congestionados. Mas também “as cidades estão cheias de gente. Os hotéis, cheios de hóspedes. Os estabelecimentos, cheios de consumidores. As calçadas, cheias de transeuntes. Os espetáculos, cheios de espectadores. As praias, cheias de banhistas. O que antes não costumava ser problema começa a sê-lo quase de forma contínua: encontrar lugar. Vemos a multidão de posse dos espaços criados pela civilização. E a ocupação é também política, intelectual, moral, econômica e religiosa. Este é o fato mais importante da vida em sociedade no momento, para o bem ou para o mal: o advento das massas ao poder”. Assim José Ortega y Gasset registrou, na obra <i>A Rebelião das Massas</i> (1930), o clima fervilhante da ascensão das massas na sociedade européia dos anos 20.
Mas, como adverte o filósofo espanhol, “o problema é que o fenômeno não pode se manifestar somente em relação aos prazeres. Nem poderia a massa atuar à margem da lei, por meio de pressões…”. É também necessária a produtividade das massas. Esse é o outro lado da questão: a tecnologia, os recursos, o esforço produtivo, a eficiência. A criação de riqueza depende dos empreendedores, do esforço e da qualificação da mão-de-obra. Esta última depende da qualidade e da abrangência de nosso sistema educacional.
Como coordenar os esforços produtivos de 180 milhões de brasileiros? Oferecendo oportunidades de emprego para a auto-realização na formidável engrenagem descentralizada da economia global ou criando no imaginário popular a idéia de que a solução seja pedir recursos em Brasília? As economias de mercado – ou as transferências de renda do governo? A capacitação e o trabalho persistente – ou a mobilização política, os grupos de interesse e a extorsão contra a sociedade? Em sociedades pobres e relativamente isoladas do processo de globalização, as habilidades são baixas, mas são igualmente modestas as aspirações. Nas sociedades cosmopolitas, elevam-se aspirações e habilidades.
“As massas são primitivas, penetraram pelos bastidores no velho cenário da civilização ocidental. Quanto mais avança a civilização, menor o número de pessoas cuja mente compreende sua evolução. E, como não compreendem as prodigiosas construções dessa civilização, que só podem ser mantidas com grandes esforços e cuidados, as massas acham que seu papel se resume em exigir vantagens, como se fossem direitos naturais. Se o comportamento das massas para com a civilização que as alimenta for exigir pães destruindo padarias, será muito difícil salvar essa civilização quando cair em poder dos demagogos”, afirma Ortega y Gasset.
A sociedade de consumo global ampliou o horizonte das aspirações. Mas, sem reformas institucionais – do sistema educacional às leis trabalhistas, do excesso de impostos ao sistema previdenciário -, as capacitações e habilitações das massas não acompanham o ritmo de seus desejos. O consumo de massa tem de ser lastreado na produtividade das massas.
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