Pouco tempo atrás ficamos muito surpresos ao descobrir que tipo de negociatas são necessárias a que uma atividade ilegal tenha um ponto de revenda a cada esquina. É preciso conivência de policiais, membros do Ministério Público, juízes e ministros.
Com a prisão destas autoridades do mais alto escalão, ressurge o debate acerca dos bingos, jogos-do-bicho e outros jogos de azar. Como sempre, ouvimos pedidos de recrudescimento da lei penal, tais quais um projeto de lei que se encontra em fase final de tramitação, e transforma o jogo-do-bicho em crime com pena de até seis anos de reclusão.
Apesar de ser favorável ao aumento das penas em determinadas situações, tendemos a crer não haver uma justificativa moral, nem tampouco uma explicação racional para um incremento das penas para exploração de jogos de azar, e quiçá para mantê-los criminalizados.
Se retrocedermos ao século passado, e buscarmos a origem da proibição dos jogos, veremos que o jogo foi proibido definitivamente no Brasil por meio do Decreto-lei nº 9.215 de 30 de abril de 1946, que restaurou a previsão do Artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, de autoria de Vargas em 1941. Mas que, entre idas e vindas, sua proibição data das Ordenações Filipinas do Brasil colônia.
Este artigo 50 da lei contravencional se encontra no Capitulo relativo à polícia de costumes, onde também estão previstos outros delitos bastante curiosos: embriaguez, mendicância e vadiagem. Vemos desde logo que as contravenções lá previstas advêm da idéia de que o súdito do Estado deve ser trabalhador, e não pode beber, mendigar, nem jogar, sob pena de ser preso.
Não se concebe na atualidade presumir que o Estado deva criminalizar o quanto seus cidadãos bebem, trabalham ou jogam. Em verdade, tal visão de sociedade denota exacerbado moralismo, e a imposição de um estilo de vida, o que não nos parece correto diante da liberdade que deve existir para que cada um possa melhor trilhar seu caminho.
Alem de incompatíveis com a sociedade brasileira da atualidade, parece-nos inexistir também legitimidade do Estado para impor condutas relativas à polícia de costumes, quando este as fomenta por outro lado. Existem hoje nove tipos diferentes de loterias administradas pela União Federal, que no ano passado arrecadaram R$ 4.234.616.871,08, sem contabilizaer as loterias estaduais com suas raspadinhas e outros diversos jogos.
Então, vemos que o jogo é conduta imoral, que deve ser reprimida pela polícia de costumes, quando não é explorado pelo Estado e gera dividendos enormes para os mesmos políticos que o proíbem. E mais, percebe-se também que nada de mal há em monopólios, combatidos ferozmente através do CADE, desde que sejam de administração e interesse da classe política.
Caso este cenário já não fosse suficientemente contraditório, percebemos que o jogo de azar, seja ele a roleta, loteria, pôquer ou raspadinha, consiste simplesmente em apostar em chances, e, por isso, não se pode considerá-lo menos ou mais moral que outras diversas atividades comuns em nossa sociedade, onde o caráter aleatório e de risco é intrínseco.
Como exemplo de contratos que são estritamente idênticos ao jogo do ponto de vista formal temos os contratos de opções, os derivativos no bojo do mercado de valores mobiliários, e mesmo o seguro das mais variadas naturezas, entre diversos outros contratos de risco maior ou igual ao de um jogo de azar.
Se de todo esses argumentos não fossem suficientes a justificar do ponto de vista moral e lógico a legalização do jogo, vemos que de todos os países da Europa Ocidental, Américas do Norte e Sul, somos um dos poucos que proíbe o jogo, junto com Vaticano, Liechtenstein, San Marino, Andorra, Noruega, Islândia, Bolívia e Guiana.
Ora, além do fato de sermos um dos poucos países onde o jogo é proibido, podemos notar que os efeitos desta proibição no Brasil não têm sido exatamente desejáveis. A exploração de jogos de azar por bicheiros e clandestinos não somente gera espaço para que haja corrupção estatal em todos os níveis, mas propicia o desenvolvimento de atividades perniciosas como a lavagem de dinheiro, impedindo também a criação de diversos empregos formais, que hoje poderiam existir caso tal indústria fosse legalizada e liberalizada.
Por fim, cabe ressaltar que, se o motivo da proibição foi a sua alegada imoralidade, vemos que na atualidade os políticos não têm tido muita autoridade para impingir padrões morais na sociedade, dado o incrível número de escândalos que se sucedem de maneira surpreendente. Talvez a conduta que hoje mais afronte a polícia de costumes neste país seja ser político…
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