Uma semana decisiva para se definirem os desdobramentos da atual crise global. Dois pacotes foram anunciados, ou aprovados, nos EUA, um focado no saneamento do sistema bancário, outro visando a retomada da economia norte-americana.
Ambos os planos deverão ter um desenlace lento, com o efeito das medidas devendo se prolongar ao longo dos próximos trimestres e anos. Um receio, dentre tantos, é comprometer mais recursos públicos, dada situação fiscal delicada nos EUA. Além disto, estes pacotes não serão suficientes por si só para reverter a recessão que já é uma realidade na maioria dos países da Europa e nos EUA. No Brasil, o tombo do setor produtivo no quarto trimestre e o ajuste de estoques neste primeiro colocam o País na mesma rota. Resta saber se as várias medidas fiscais e monetárias adotadas serão suficientes para mitigar este cenário.
Sobre o pacote fiscal, alguma disputa política acabou ocorrendo na sua aprovação no Senado, com os votos de três senadores republicanos acabando como decisivos para sua aprovação e o placar apertado de 61 a 37 mostrando uma inevitável barganha política. Em função disto, este pacote fiscal acabou com cortes, passando dos US$ 827 bilhões aprovados antes no Senado para US$ 789 bilhões, a serem votados agora no Congresso. Deste total, cerca de US$ 276,1 bilhões serão usados no corte de impostos e US$ 150 bilhões para a infraestrutura. Os democratas acabaram tendo que ceder ao reduzir despesas com educação, saúde, recursos para os estados, incentivos na compra de imóveis e carros, etc. Foi mantido, no entanto, o corte de impostos para a classe média, orçado em US$ 70 bilhões.
O grande destaque da semana, no entanto, foi o pacote anunciado por Timothy Geythner, secretário do Tesouro, e o grande desafio dos mercados foi tentar compreendê-lo nos detalhes operacionais e na sua eficácia. Sobre o pacote, três são os mecanismos mobilizados:
1. Criação do novo Public-Private Investment Fund, cuja tarefa será comprar ativos tóxicos dos bancos. Os recursos mobilizados neste fundo, originalmente em US$ 500 bilhões, podem chegar a US$ 1 trilhão. Uma dúvida será saber se este fundo conseguirá atrair os investidores privados na aquisição dos ativos podres. Além disto é difícil avaliar o valor real destes ativos, já muito depreciados, mesmo que artificialmente. Neste caso, ocorre um trade-off, visto que os ativos com preços depreciados são ruins para os bancos e os apreciados afetam os contribuintes.
2. O Fed, como “emprestador de última instância”, injetará mais liquidez no travado mercado de crédito, tentando “descongelar” os recebíveis de cartões de créditos, financiamento estudantil e algumas hipotecas imobiliárias. Ou seja, será ampliado o plano que tem por objetivo impulsionar o crédito ao consumidor e das empresas – o Programa de Crédito a Termo de Títulos Lastreados em Ativos (Talf, na sigla em inglês), passando dos atuais US$ 200 bilhões para até US$ 1 trilhão. Sua ideia principal é dar fôlego para que as pessoas se recuperem e conseguirem pagar suas dívidas.
3. Criação do Financial Stability Trust, destinado à capitalização dos bancos, de maneira similar ao que já foi feito no ano passado no plano Paulson, mas com condicionalidades mais rígidas, sendo a principal delas o compromisso de aumento do volume de crédito ao setor privado pelas instituições participantes. Seu objetivo é injetar recursos nos bancos, com o que restou do pacote Paulson, em torno de US$ 350 bilhões, visando a capitalização destes. Eles teriam, no entanto, que passar por uma espécie de auditoria, ou “teste de estresse”, para o governo saber se são viáveis.
Na verdade, o aporte de recursos no sistema bancário pode chegar a US$ 2 trilhões, se considerarmos tudo que será mobilizado. Contudo, não será um processo rápido e eficaz como vinha pregando a equipe econômica de Obama. Os problemas do sistema bancário são por demais complexos para serem resolvidos em período curto de tempo. A deterioração da confiança dos agentes nos bancos e entre eles, e as perdas contábeis, com as securitizações de ativos tóxicos, foi de tal monta, que um processo de recuperação deverá ser lento e demorado.
Outras alternativas também vinham sendo aventadas para tentar resolver o problema da liquidez dos bancos, como a estatização dos mais afetados, quando o governo compra estas ações, mas a cultura liberal dos EUA não permitiria tal decisão. Isto, no entanto, precisa ser relativizado, visto que a nacionalização de bancos ocorreu no Reino Unido, sem maiores custos. Deve ser encarado como algo temporário, com a recuperação da economia e a rentabilidade das instituições viabilizando o retorno ao setor privado. Outra alternativa seria a criação de uma agência federal para incorporar os ativos tóxicos, sem a participação do setor privado. Neste caso, os ativos bons ficariam com o banco, que teria o seu balanço “depurado”, permitindo o retorno ao mercado de crédito, e os ruins seriam assumidos pelo governo.
Por outro lado, ao analisarmos o plano numa visão mais pragmática, não se deve deixar de destacar a idéia do teste de “estresse” sobre os ativos dos bancos. Será a partir deste que será possível avaliar sobre a viabilidade da instituição financeira se recuperar ou não. Na opinião de Gustavo Loyola, um dos mentores do Proer nos anos 90, “sua realização pode inicialmente até mostrar um cenário de perdas desanimador, mas pelo menos dará aos agentes econômicos um dado sobre o real valor dos ativos tóxicos ainda detidos pelos bancos, bem como a necessidade real de capital dessas instituições”.
Por outro lado, é criticável a postura do governo de aportar apenas US$ 50 bilhões para o saneamento do sistema hipotecário. Em 2008, os preços dos imóveis recuaram 12,4% no pior desempenho desde que a pesquisa de imóveis novos começou a ser feita em 1979. Com as execuções hipotecárias ocorrendo, a renda dos consumidores vem se deteriorando dramaticamente, assim como sua capacidade de pagamento. O “motor” da economia norte-americana é o consumo privado, cerca de 70% do PIB. Como recuperá-lo neste cenário de espiral de desemprego, perda de renda e endividamento?
Para as próximas semanas, as expectativas são de que Geithner e sua equipe detalhem os mecanismos operacionais dos vários programas e iniciem sua implantação. Mesmo assim, é preciso ter consciência que será uma lenta e longa caminhada para recompor a confiança e a operacionalidade das instituições financeiras. Como afirmou Geithner “esta estratégia custará dinheiro, envolverá riscos e levará tempo”. Só esperamos que a economia norte-americana aguente o tranco.
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