O Globo, 07 de abril de 2007
A economia do trabalho de Vargas tinha a forma de uma pirâmide, em cuja base encontrava-se a massa trabalhadora precisando de uma regulamentação e, no topo, uma minoria de empregadores.
O que se esperava para o futuro, com a qualificação do trabalhador, era que a pirâmide assumisse a forma de um ovo, encontrando-se em seus vértices riqueza e pobreza, com uma grande classe média ao centro.
Assim caminharam os países que adotaram o trabalhismo e em algum momento dele se desgarraram rumo ao crescimento.
No Brasil a pirâmide acabou se deformando e hoje a economia do trabalho assumiu a forma de uma ampulheta, com uma base constituída de trabalhadores formais e de baixa remuneração e um topo de volume proporcional ao da base, constituído de trabalhadores informais, PJ’s, pequenos empreendedores, cooperativas e patrões, estes últimos em número cada vez menor.
O adiamento de uma reforma trabalhista, o desemprego estrutural e o crescimento da economia dos serviços foram os responsáveis por esta deformação.
O tema volta à discussão em razão da emenda 3 da Super-Receita. Há um evidente descompasso entre o desejo da sociedade, o crescimento da economia e o engessamento das relações do trabalho pelos que cultuam a CLT. É justamente a lei que está sendo questionada pela sociedade.
Enquanto alguns resistem a qualquer desregulamentação trabalhista, o governo federal comemora o novo PIB, 11% maior, apontado pelo IBGE que alardeou a redução da informalidade para 40% e sua produção de riqueza de 11% para 8%, em razão do reconhecimento da economia que vem se formalizando fora dos muros da CLT.
O pulo-do-gato foi a utilização do conceito da Organização Internacional do Trabalho que considera a unidade de produção e não o trabalhador individual ou a ocupação por ele exercida, para medir a informalidade.
Se o trabalhador não tem carteira assinada, mas está numa empresa formal, a produção dele também é formal, então, o governo aplaude as PJ’s, trabalhadores autônomos, cooperativas e todo e qualquer artefato jurídico que legitime a ocupação, aumentando, de quebra, a arrecadação de tributos.
O epicentro do furacão do veto presidencial não é a competência para desconsiderar PJ’s, mas, isto sim, a necessidade de uma reforma trabalhista, justamente para garantir segurança jurídica nas contratações no âmbito do trabalho.
Apesar da legislação e seus cultores impedirem, a sociedade está conseguindo reverter a informalidade tão comemorada pela equipe econômica; eis o paradoxo! A utilização indevida de PJ’s não é mais do que uma tentativa da sociedade em praticar a necessária flexibilização que o governo adia, muito embora também a deseje.
Na verdade as PJ’s, que, de fato, substituem o emprego formal, não sonegam encargos fiscais ou previdenciários; pelo contrário, arrecadam e o fazem na conformidade de alíquotas estipuladas em leis. Se há um desvirtuamento em sua utilização é porque a legislação não se adapta à nova economia.
Qualquer um percebe que falta uma legislação para os que não conseguem ou não desejam o modelo CLT. É esta a questão que ninguém quer tocar.
É preciso que haja uma terceira via para as relações do trabalho. É preciso reconhecer a existência de atividades e trabalhadores que desejam um novo formato que não tenha, necessariamente, o Estado como seu interlocutor ao contratar. É preciso que haja um estatuto que regulamente os trabalhadores não empregados no modelo CLT, disciplinando assim as relações não empregatícias, todavia, com garantia jurídica de modo a evitar a desconsideração destes contratos.
Não se tem notícia de PJ’s para trabalhadores de baixa renda ou desqualificados. O fenômeno se dá justamente no nível médio da pirâmide, o que sinaliza a existência de uma tendência que precisa ser captada e é este o momento.
Entendo que se poderia pensar num contrato civil de trabalho, em que sua desconsideração fosse disciplinada. Neste cenário, por exemplo, este novo modelo contratual se prestaria apenas para os maiores, com o segundo grau completo ou universitário e que recebessem acima de um teto mínimo, evitando-se desproteger o trabalhador menor, de baixa renda e de pouca escolaridade.
As PJ’s, cooperativas e parte da contratação informal, com certeza, deixariam de existir, também perdendo importância se o agente fiscalizador será o auditor da Receita, o Ministério Público ou o juiz do Trabalho. Seria um início de libertação.
Se a reforma trabalhista continuar emperrada, em breve estaremos na forma de uma pirâmide invertida, com a economia do trabalho se equilibrando sobre o vértice constituído de uma dúzia de grandes empregadores.
Por Laudelino da Costa Mendes Neto, presidente do conselho das relações do trabalho da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
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