Já foram bastante comentados por professores das faculdades de economia e administração, os aspectos de interesse da ciência econômica dos últimos ganhadores do prêmio Nobel de Economia: Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Dado o atraso curricular da maioria das faculdades de direito brasileiras, não se estranha o silêncio de uma reflexão dessas contribuições para o mundo jurídico.
Sabidamente, nossos juristas, versados em latim e em francês, recusam-se solenemente a adotar sugestões provenientes do sistema legal angloamericano (“common law”), assim como de teorias jurídicas e econômicas originadas da língua inglesa.
Não se trata de dizer aqui, como alguns já proclamaram (La Porta e outros), que o sistema de “common law” seja melhor que o nosso sistema de “civil law”, mas de admitir que coisas boas podem sim advir dos Estados Unidos da América.
Não se deve passar despercebido aos juristas o coroamento que a Academia Real Sueca tenha dado aos estudos de professores que se dedicaram ao estudo interdisciplinar entre direito e economia.
Anteriormente, o inglês e jurista de formação, Ronald Coase, já ganhara um Prêmio Nobel de Economia ao demonstrar a existência de falhas de mercado por conta dos chamados custos de transação. Estes custos de transação seriam direitos de obtenção de informação, de negociação, de monitoramento e de execução de um contrato. Coase também já sugeria que alternativas legais e jurisdicionais deveriam levar em conta, na medida do possível, das suas consequências no ambiente social.
Depois de Coase, foi a vez de Douglas North ganhar o mesmo prêmio, sugerindo haver total relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento econômico, com os incentivos gerados aos comportamentos humanos pelas instituições sociais – inclusive e sobretudo, talvez, pelas normas jurídicas. E agora Williamson é agraciado com o mesmo prêmio, agregando suas pesquisas sobre as organizações no cenário econômico. Instituições erradas poderiam gerar oportunismos a organizações sociais e a indivíduos. Além disso, pessoas seriam dotadas de racionalidade limitada.
Pois bem, mas o que tem isso tudo a ver com o direito? Tudo! Significa dizer que, fazendo o direito parte das instituições sociais, ele pode ser decisivo na estrutura de incentivos que gera para os indivíduos e organizações. Nesse sentido, ele tem um papel fundamental no desenvolvimento de um país.
Aí pode estar a solução para vários problemas hoje enfrentados no dia a dia das cortes sem solução pela teoria jurídica tradicional, a saber: o abarrotamento das cortes; seu reflexo social. Por que a teoria jurídica tradicional não poderia resolver esses problemas?
Porque a teoria jurídica, de herança kelseniana, reflete sobre o sistema jurídico, isto é, tem como objeto de estudo as normas jurídicas, que devem ser coerentes e organizadas logicamente.
Não que isso não seja importante (é até fundamental), mas não é tudo. Ela não trata – e nem poderia – da interação do comportamento dos indivíduos e das normas jurídicas, “preços” no jargão econômico. Vale dizer, legisladores, juízes, promotores, partes e advogados não agem no vácuo institucional.
Nesse sentido, quais as contribuições do direito e economia para os problemas jurídicos brasileiros atuais?
Por que as cortes brasileiras estão assoberbadas?
Em primeiro lugar, porque há incentivo, no sentido econômico, gerado pelas instituições jurídicas. Ou seja, a Constituição Federal e as leis, bem como a jurisprudência, geraram uma série de direitos às pessoas, que necessitam de uma tutela das cortes de Justiça. Então inevitavelmente as pessoas precisam recorrer ao Judiciário para garantir seus direitos.
Em segundo lugar, porque o sistema judiciário, como um todo, é incapaz de uniformizar entendimentos – com a pequena exceção das súmulas vinculantes. Essa indeterminação e absoluta discricionariedade judicial incentiva as pessoas – limitadamente racionais — a tentar a sorte, tornando o Judiciário uma “roleta russa”.
Em terceiro lugar, porque em nome do acesso à Justiça, ela se tornou praticamente gratuita. Ora, qualquer bem oferecido gratuitamente a todos tende a um uso à exaustão – “tragédia dos baldios” nas palavras do jurista português Fernando Araújo. Além disso, uma Justiça gratuita ou muito barata desestimula acordos, pois incentiva o uso da demora dos processos para ganhar tempo. Nem todos que vão à Justiça, buscam seus direitos. Pode ser exatamente o contrário (oportunismo).
Em quarto lugar, porque nem juízes, nem advogados, nem partes são desinteressados. Juízes se associam em classes profissionais para melhorar suas condições salariais, sem necessariamente uma preocupação de qualidade em seu trabalho. Advogados, também organizados em classes profissionais, buscam restringir o acesso à profissão e evitar medidas que possam porventura a diminuir o mercado de trabalho (como a racionalização dos processos). E as partes são aqueles agentes econômicos que ponderam custo benefício antes de propor uma medida judicial ou a entrar em algum acordo. Em quinto lugar, os congressistas fazedores de leis têm também seus interesses e sofrem ações de grupos. Nesse contexto, não há ninguém que possa lutar pelo interesse de todos, que seria um direito eficiente, previsível, dentro de um sistema de solução de controvérsias barato e ágil. Esse seria o caminho para a melhora do ambiente de negócios e para distribuição da Justiça.
Portanto, se levarmos a sério os prêmios recentes, teremos de modernizar nossas faculdades de direito e nossa práxis jurídica. Professores de direito, legisladores, administradores públicos e tribunais passarão a ter de fazer contas, estatísticas e o controle de dados. A própria OAB poderá modernizar o seu discurso, não necessariamente contrário ao mantra que vem repetindo desde a ditadura militar sobre o Estado democrático de direito, mas também fazendo um controle do gasto público, da eficiência dos tribunais e dos recursos, da coerência das decisões judiciais.
Legisladores e, sobretudo, os tribunais terão de começar a trabalhar com nortes claros de políticas públicas a serem promovidas. Com isso, terão de, como dizia Holmes, aprender a sopesar meios e fins a serem perseguidos; compreender a calcular os custos e benefícios de determinadas opções, entendendo que toda escolha é, em grande medida, uma renúncia a uma via alternativa; e que nem todos podem ganhar sempre. Alguns terão de perder para outros ganharem. E esta é a essência do cálculo econômico. Se os economistas erram muito em suas previsões, pois o futuro é contingente e incerto, numa coisa estão corretos, que nada é de graça e que “não existe almoço de graça”.
E os economistas terão de aprender o que é direito, como sistema de princípios e regras; a importância da cultura, das instituições e das regras, saindo um pouco de seus modelos econométricos herméticos. Direito não é ceteris paribus.
Fonte: Valor Econômico
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