Vamos supor que as companhias telefônicas não tivessem sido privatizadas. Teríamos hoje mais 28 estatais, das grandes: a holding nacional, a Telebrás, e mais uma tele em cada Estado e no Distrito Federal. Portanto, seriam, no primeiríssimo nível, 28 presidentes, 28 vices e 168 diretores (na base, modesta para estatais, de seis diretorias por empresa). Acrescentando superintendentes e assessores, chegaríamos, fácil, a mais de 1.500 nomeações, à disposição dos articuladores políticos do governo federal para, digamos, compor a base e arrumar as votações no Congresso.
Seria uma festa para os partidos aliados e para os dirigentes sindicais ligados ao setor.
Exagero?
Então também é exagero o que estão fazendo hoje com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Os dois grandes bancos estatais foram obrigados a criar vice-presidências e diretorias para acomodar políticos aliados, muitos derrotados em eleições. Isso significa aumento de custos – com cargos desnecessários – e aumento de gastos, pois é claro que os diretores políticos estão lá para gastar alguma coisa. Se não, a nomeação não serviria para nada, não é mesmo?
A barganha tem sido explícita e até descarada. Deputados da base governista articulam, ou fingem articular, CPIs para desarticulá-las tão logo saem as nomeações. Vinte e oito estatais seriam extraordinária munição nesse jogo.
Por outro ângulo, vendo a história pelo lado positivo, as teles estatais poderiam ser um importante reforço para o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Seus investimentos engrossariam o pacote.
Mas seria mesmo um ganho para o crescimento econômico?
O executivo e consultor Eduardo Levy, da área de telecomunicações, sugeriu ao articulista o seguinte exercício: comparar os investimentos das atuais telefônicas, as privadas, com o andamento do PAC. E ele mesmo mandou as contas.
No primeiro trimestre deste ano, as companhias de telecomunicações (incluindo telefonia fixa e celular) investiram cerca de R$ 1,5 bilhão, em meio a uma feroz competição. São, hoje, sete empresas em todo o País.
Já o PAC prevê, para todo este ano, investimentos de R$ 15,8 bilhões, a serem feitos pelo governo central.
Balanço do próprio governo indica que, até maio, o investimento efetivamente realizado chegou a R$ 548 milhões. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, um dos comandantes do PAC, observou que a meta dos R$ 15,8 bilhões dificilmente será atendida.
Portanto, ficamos assim: investimentos das teles privadas no primeiro trimestre, R$ 1,5 bilhão; investimentos do PAC no quadrimestre, R$ 548 milhões.
A comparação pode parecer arbitrária, mas reflete vários aspectos da realidade. Os investimentos públicos normalmente são mais lentos e mais caros, mesmo sem roubalheira. Por ser dinheiro público – e dado o histórico nacional -, esses investimentos precisam ser submetidos a controles rigorosos, o que sempre aumenta a burocracia.
Mas, pelo que se tem observado, parece que caímos no pior dos mundos: os controles tornam os investimentos públicos mais lentos, mas não inibem a corrupção. Querem um exemplo? Os tribunais de contas. Fazem processos demorados, por causa de sua própria burocracia, apontam irregularidades quando as obras já vão longe, ou já pararam, e simplesmente nada acontece. A Operação Navalha mostrou como continuavam andando licitações e obras mesmo depois das irregularidades apontadas pelos tribunais de contas.
Resumo da ópera: a corrupção e a fisiologia (o uso de estatais para nomeações políticas) são dois bons argumentos que, pelo avesso, justificam os programas de privatização. Mas também explicam por que a privatização sofre oposição tanto da esquerda quanto da direita, tanto dos ideológicos quanto dos fisiológicos.
No governo FHC, por exemplo, a privatização foi combatida duramente pela oposição de esquerda. E foi combatida, dentro do governo, por setores do PFL e do PSDB. O PFL, por exemplo, controlou a estatal Furnas e conseguiu impedir sua privatização, contra a decisão do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso.
Fica assim: uns, sinceros e bem-intencionados, entendem que o Estado deve controlar diversos setores da economia. Outros estão de olho nas boquinhas, nos cargos e nas possibilidades de fazer dinheiro para o próprio bolso. Por ouro lado, depois da ascensão do PT – e de seus próprios escândalos -, encorpou a tese de que usar o governo e as estatais para fazer caixa para o partido (e para a causa) é legítimo. Assim como é legítimo, dizem eles, acomodar os companheiros na administração.
De modo que os fins mudam, mas os meios acabam sendo os mesmos. Com as mesmas conseqüências danosas.
Críticas – Sempre que tratamos desse assunto, recebemos dois tipos de críticas sérias. O pessoal da fisiologia não se manifesta, quer simplesmente que o assunto desapareça.
Mas, no lado dos bem-intencionados, os liberais defendem a ampliação das privatizações para os grandes ícones, como Petrobrás e Banco do Brasil.
Já o pessoal da esquerda sustenta que as estatais podem, sim, ser bem administradas. Exemplificam justamente com os casos da Petrobrás e do Banco do Brasil – as duas superestatais lucrativas e consideradas eficientes.
Mas reparem, a companhia e o banco estão sendo loteados e usados politicamente. Acreditam mesmo que isso não afeta sua eficiência?
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