Autor Convidado: André Soliani
A estratégia de sobrevivência do Mercosul tem sido uma constante fuga para a frente. Na incapacidade de resolver as pendências econômicas e assimetrias entre os sócios, a cada reunião de cúpula os presidentes do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai lançavam uma nova agenda para tentar dar ímpeto à integração, apesar da persistência de velhos impasses. A zona de livre comércio se transformou num projeto de união aduaneira, apesar de ainda existir comércio administrado entre os sócios. A união aduaneira, que pressupõe uma Tarifa Externa Comum (TEC), nunca foi completada. Mas isso não impediu os membros de avançar em direção a projetos mais ambiciosos, como negociações em bloco com terceiros países ou regiões, a harmonização de estatísticas, a proposta de criação de um Parlamento. E assim, a cada reunião de cúpula, o anúncio de novas metas combinadas com gestos simbólicos buscava apaziguar as diferenças que se acumulavam. Fator Chávez No fim do ano passado, os quatro membros fundadores colocaram mais um andaime na construção do Mercosul sem cuidar antes de solidificar as fundações. Decidiram incorporar a Venezuela, do presidente Hugo Chávez, na categoria de membro quase pleno. Ele só não tem o direito de votar, mas participa de todas as reuniões e pode se manifestar. As desavenças entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai estavam cada vez mais difíceis de reconciliar. Em vez de fazer uma parada técnica, ampliaram o número de sócios. Arranjaram mais um problema, mas ganhavam a oportunidade de dizer que a integração ia tão bem que vizinhos queriam fazer parte do projeto. Na próxima reunião de cúpula, marcada para os dias 20 e 21 de julho, em Córdoba, na Argentina, os sócios fundadores têm o desafio de integrar a Venezuela, sem incorporar o chavismo. O Mercosul original não é partidário da revolução bolivariana na América do Sul, como prega Chávez. Tampouco sentimentos antiamericanos. Como trazer Chávez para a mesa de negociação sem impedir que o Mercosul continue a ter relações com os Estados Unidos? Como trazer Chávez, sem que isso gere ainda mais dificuldades para criar o consenso interno? Curiosamente, foi o Uruguai que propôs formalmente a entrada de Chávez no grupo. É hoje o país do Mercosul que mais se interessa em negociar com os EUA um acordo de livre-comércio. Já ameaçou até deixar a parceria, pois as regras do Mercosul não permitem que um sócio negocie individualmente. Pendências Além do fator Chávez, os presidentes terão: — de tratar da disputa entre Buenos Aires e Montevidéu, em torno da construção de duas fábricas de pasta de celulose no Uruguai; — de encontrar formas efetivas para diminuir as assimetrias que impedem a adoção de uma Tarifa Externa Comum de verdade; — de adotar, de fato, mecanismos de financiamento para o desenvolvimento regional, que ainda não saíram do papel, apesar de o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) ter sido aprovado em 2004; — de equacionar os impasses que impedem o fim da bitributação na região; — de achar formas de estimular as exportações do Paraguai e o Uruguai, que atualmente vendem para o Brasil menos do que há dez anos. O grau de desagregação do bloco, que pode piorar caso a entrada de Chávez não seja bem administrada, não permite mais que as cúpulas terminem com declarações sobre o compromisso dos sócios com o projeto e com o anúncio de novos objetivos ou planos, que muitas vezes acabam por resultar em mais motivos para disputas. Já passou a hora de resolver as pendências que se acumulam. Chega de gestos simbólicos e declarações de compromisso com o projeto.
Primeira Leitura – 16 de junho de 2006
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