Produtos baratos, culinária exótica e superpopulação são, muitas vezes, as primeiras ideias que vêm à cabeça quando pensamos na China, hoje um fenômeno de prosperidade mundial. Mas a verdadeira China é um país ainda a ser descoberto pelo Ocidente, na medida em que a cultura que impulsiona o seu desenvolvimento ainda é pouco conhecida.
Em minha quinta visita ao país, realizada nesta semana, pude compreender melhor os motivos do seu impressionante crescimento, mesmo em um período de crise mundial, e fazer o seguinte questionamento: o que o Brasil pode aproveitar dessa bem-sucedida trajetória econômica? É lógico que a China precisa rever suas práticas especialmente no que se refere a direitos humanos, meio ambiente e democracia com liberdade de expressão.
É interessante perceber que parte do desempenho econômico da China está diretamente relacionada à sua história milenar. Por exemplo, o conceito de tempo, em uma civilização de quase 6 mil anos, tem outra dimensão frente à nossa cultura ocidental, sempre pautada pela pressa e urgência. Esse conceito remonta ao tempo dos imperadores, na Cidade Proibida, que eram considerados, na época, senhores do tempo, conduzindo o seu povo na direção estabelecida.
Esse mesmo conceito se reflete até hoje em como o país planeja os seus próximos 10-20 anos, impactando na maneira como os chineses fazem planos e avaliam suas conquistas. Ainda falta ao Brasil fazer um planejamento estruturado, integrado e humanizado para construir o seu futuro, enfrentando verdadeiramente os seus desafios estruturais, em contraposição à visão imediatista da maioria de nossos governantes e das lideranças em geral.
O crescimento chinês é algo que tem sido construído ao longo de décadas de preparação. Isso tem resultado, por exemplo, na elevação do nível de poupança, essencial para a ampliação do ritmo de investimentos, e na inserção de novas gerações na economia. Atualmente, o nível de poupança na China ultrapassa 40% do PIB – influenciado pela inexistência de uma previdência pública, o que obriga as pessoas a gerirem seus recursos sob uma visão de longo prazo –, enquanto que no Brasil não passa de 20% do PIB. O nosso país pode ser uma nação rica e com justiça social. Para isso, é necessário estabelecer políticas financeiras firmes e ortodoxas para que as taxas de investimento cresçam, chegando entre 25% e 30%.
No caso da siderurgia, a produção chinesa de aço, que corresponde à metade do volume produzido no mundo, é totalmente consumida internamente, ao passo que o mercado interno brasileiro absorve apenas a metade do volume fabricado no país. Isso mostra a clara necessidade de termos uma política a favor do investimento, para que a demanda por aço aumente, possibilitando a geração de mais empregos.
A China também utiliza sua política de juros a favor do crescimento, trabalhando com uma taxa de inflação de 7% e juros de 4%, o que gera uma diferença de juros negativa de 3%, uma prática questionável. No Brasil, os juros, apesar de já terem baixado expressivamente, ainda se encontram em patamares muito elevados frente ao cenário mundial. Outro ponto importante é o movimento de deslocamento de parte da população rural chinesa para as cidades, o que requer uma expressiva geração de empregos no futuro.
Ao mesmo tempo, vemos comportamentos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade que ainda fazem falta no Brasil. Na China, a meritocracia é praticada há mais de 3 mil anos e se percebe a aplicação de conceitos da sabedoria milenar de Confúcio – como a praticidade, a ordem, a leveza e a qualidade – em todas as áreas, assim como um forte patriotismo.
Sem dúvida, há boas lições na área econômica e de planejamento chinês que o Brasil precisa ter humildade para aprender e possibilitar a construção de um país socialmente mais justo. O desafio é aproveitar políticas macroeconômicas chinesas sem perder de vista as soluções no campo social de que o Brasil precisa.
(Zero Hora – 17/10/2009)
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