O Brasil vem de longe nessa estrada. De uma economia estancada pelo alto custo social da mega-inflação nos anos 80 e 90, que mordia até 20% do salário mensal do trabalhador, nas barbas de quem quisesse enxergar aquela injustiça flagrante, passando pelo constrangimento cambial, que nos colocava de joelhos diante dos credores internacionais, chegamos enfim ao território da estabilidade, com o anúncio do plano Real em meados de 1994. O conceito de uma moeda estável e confiável ainda não era tão bem compreendida pela maioria da população, tampouco interessando à elite financeira, esta última por se julgar protegida da inflação galopante, ora pelo mecanismo da correção monetária, ora pela especulação com as moedas estrangeiras.
Relembro esses momentos sombrios da economia brasileira, em parte para saborear a diferença imensa que faz um padrão monetário estável e democrático (por ser neutro em relação ao status econômico de um cidadão) tanto quanto por abrir uma avenida de oportunidades à nossa frente, a partir da superação da restrição externa provocada pela falta de divisas. Esta restrição de capitais externos só foi vencida quando passamos a adotar o regime da taxa de câmbio flutuante, cujas óbvias vantagens eram neutralizadas pelo medo-pânico das autoridades em permitir ao mercado definir o câmbio do dia. Esse avanço conseguimos quase à revelia do Banco Central, quando o câmbio flutuou, sem por isso enlouquecer, no mês de janeiro de 1999.
Além disso, sempre me surpreende quanto custou ao País chegar por si mesmo a tais consensos, já que não foi por convergência prévia da opinião dos doutos no assunto, economistas, cientistas sociais e outras gentes formadas em terceiro grau. Muitos se aferravam à noção, falsa mas insinuante, de que a economia mergulharia em recessão aguda se se fizesse um esforço efetivo em prol da estabilização da moeda. Enquanto os doutores se perdiam em debates estéreis e em experimentos alquimistas, como os congelamentos de preços, de salários e câmbio, a população se impacientava e empobrecia. De verdade, o que vários grupos temiam era o mergulho na desconhecida estabilidade da moeda, e a provável perda de vantagens trazida pela manipulação dos cordéis invisíveis da inflação e da dependência externa. Foi preciso muita saliva e haver chegado o País a uma situação limite de estancamento para que se formasse na opinião pública, mais do que na elite, a pressão silenciosa, mas poderosa, pela mudança.
Essa história de superação coletiva nos traz até aos dias de hoje, de maior conforto social e de razoável sucesso na política econômica que a equipe de FHC definiu e o time de Lula aperfeiçoou. Para tanto, alguns méritos devem ser repartidos entre o ciclo FHC, que comprou a briga pela moeda estável, e agora, o ciclo de Lula, que se fecha com a vitória sobre a exclusão econômica e o desemprego. Um sucesso é associado ao outro, em sequência, e cada um enfrentou sérios desafios, na sua maioria superados. Nenhum dos dois ciclos, entretanto, foi completo na adoção dos novos conceitos, nem se esperava que pudessem sê-lo, um por deixar rescaldos da moeda inconfiável, como a correção monetária e o uso indiscriminado do IGP para corrigir contratos, e o período seguinte, por oferecer relativamente mais assistência gratuita do que oportunidades de emprego útil aos chefes de família incluidos na rede de proteção social do governo.
Embora com falhas naturais e esperadas, os dois ciclos – o de estabilização e o da inclusão social – podem se considerar concluídos com sucesso. O que nos reserva, então, o futuro próximo? A agenda do próximo governo seria apenas (o que não seria pouco) a de manter as conquistas da moeda estável e da crescente inclusão das classes C, D e E ao mercado de consumo? Haveria uma “outra agenda”, complementar às duas primeiras, ainda a ser perseguida?
A resposta é SIM. Agora é a vez da agenda do BRASIL EFICIENTE. E o que seria o conteúdo de tal agenda? No capítulo do diagnóstico, a agenda do Brasil Eficiente começa por reconhecer o atraso da infra-estrutura nacional, aliás pré-identificado pelos programas Avança Brasil e PAC, embora nem um nem outro tenha conseguido organizar um ataque definitivo à carência aguda de investimentos do setor público. As estatísticas brasileiras comprovam essa nova forma de estancamento – a taxa de investimento como proporção do PIB – que ainda não deu o salto esperado, permanecendo em nivel inferior a 20% da produção, quando na Coréia supera os 30% e na China se aproxima dos 50%! O Brasil não precisa de ir tão longe, bastando, para os propósitos de uma esperada duplicação da renda per capita na próxima década, alcançar o nivel em torno de 25%. Saltar de 18 para 25% do PIB no conjunto dos investimentos públicos e privados parece tarefa perfeitamente factível. De fato é possivel. Só não é tão fácil, pois se o fosse, Lula ou FHC teriam aí empregados seus capitais políticos para chegar à meta. Bem que tentaram. Mas a tarefa requer, aparentemente, mais atenção e interesse de toda a sociedade brasileira, uma vez que este salto nos investimentos começa por uma redefinição dos meios de formação da poupança, cujos instrumentos são tão antiquados quanto uma caderneta de poupança, com suas regras rígidas e velhas, que nem o ministro Mantega não conseguiu mexer…
Enfim, a consciência de que o Estado brasileiro investe pouco, que o custo-Brasil só faz aumentar, que a competição de fora será cada vez mais agressiva, que o empresário brasileiro terá de buscar saídas pela inovação de produtos e processos, que os talentos científicos brasileiros se desperdiçam antes de chegar à aplicação em meios produtivos e comerciais, todos esses aspectos, entrelaçados, compõem o quadro da grande ineficiência nacional, agravada pela falta absoluta de foco do setor público na incessante busca por MAIS PRODUTIVIDADE, palavra quase inexistente no dicionário da gestão dos gastos públicos, salvo as honrosas exceções de praxe, em certas estatais.
O Brasil Eficiente é uma agenda de fazer o Brasil crescer 6% ao ano, na média 2011 a 2014, projetando taxa semelhante para o restante da década, a fim de se criar um verdadeiro ciclo virtuoso de inclusão econômica pelo trabalho, não pelo ócio remunerado. E, com isso, dobrar a renda média dos brasileiros, incluindo-os finalmente, no controle de uma parte relevante do CAPITAL SOCIAL do País.
Creio haver enorme sensibilidade da população para o discurso do Brasil Eficiente. Faltam agora os atores políticos, no palco dos debates pré-eleitorais. Esse é o novo ciclo brasileiro, cujo debate é urgente se pretendermos aproveitar a janela do nosso segundo descobrimento.
Caro Paulo Rabello,
Concordo plenamente com a sua convocação para um BRASIL EFICIENTE. No tocante à produtividade do setor público, creio que a inclusão de citérios de meritocracia poderiam sim contribuir de forma indelével para uma maior eficiência e eficácia do setor público.
Forte abraço,
Econ. Marco Túlio Kalil Ferreyro