Um terço dos jovens brasileiros gostaria mesmo é de ter seu próprio negócio
Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia do procurador-geral da República e declarou réus todos os 40 indiciados pelo mensalão, aconteceu outro fato histórico. Pela primeira vez na história do Brasil, o dinheiro captado pelas empresas na bolsa de valores ultrapassou o volume anual oferecido pelo BNDES. Esse fato dá sinal de que o dinheiro de longo prazo para projetos das empresas deixa de sair prioritariamente dos cofres públicos. Passa a vir das pessoas físicas e jurídicas. É algo formidável para a cultura brasileira, e não apenas para a economia.
Sabe como uma empresa levanta dinheiro na bolsa? Não basta ser lucrativa. Ela tem de provar que é séria, que tem balanço consistente e transparente. Deve ser capaz de tratar seus clientes com respeito, de competir seguindo as regras da lei. Precisa se distanciar de controvérsias ambientais e maracutaias políticas que signifiquem aumento do risco. O resultado disso tudo é que as empresas estão começando a aprender o significado de ter boa governança corporativa para atrair investidores e acionistas. Isso é tão novo no Brasil quanto a sentença do STF. Má governança corporativa trará como conseqüência notas baixas por parte dos analistas de mercado, o que afasta os possíveis investidores.
O Brasil tem mudado e vai mudar cada vez mais rápido. E para melhor, apesar de alguns pessimistas. Isso ocorre à medida que, coletivamente, tomamos consciência de que, uma vez observadas regras claras e civilizadas, são legítimos os jogos da conquista do poder – a política – e os da conquista do dinheiro – os negócios. Da mesma maneira que jogamos futebol tão bem e de forma limpa. Tanto na economia quanto na política, o juízo predominante da sociedade brasileira vai evoluir ainda mais para constatar que transparência é parte importante do sucesso, muito mais que antigamente.
O brasileiro, de forma geral, sempre viu de modo negativo a mobilidade social e o enriquecimento. Pobre é honrado. Rico é bandido, ladrão, explorador, burguês desalmado enfiado em esquemas, formação de quadrilha e trapaças. Desenvolvemos um senso comum hostil à iniciativa privada na busca de sucesso econômico e financeiro, acreditando que dinheiro honesto é aquele unicamente proveniente de empregos assalariados. Isso vem mudando nos últimos dez anos. Até as pesquisas do Instituto Cidadania, ONG do PT, atestam que um terço dos jovens brasileiros gostaria mesmo é de ter seu próprio negócio. Estamos começando a admitir que a recompensa financeira e econômica pode acontecer por força do mérito. O capitalismo começa a ficar pop no Brasil.
A decisão do STF, ao aceitar a denúncia contra o núcleo central do primeiro mandato da administração Lula, vai produzir um choque na maneira de fazer política no Brasil, da mesma forma que nossa economia e empresas tomaram um choque com a globalização. Esse choque fortalece o sentimento nos cidadãos brasileiros de que a má governança na política, coisa típica de repúblicas de bananas, de ditaduras, de coronéis, de regimes populistas, do “rouba-mas-faz”, será cada vez menos tolerada.
Para sobrevivermos e prosperarmos como sociedade, é crucial aprimorar a governança, tanto na política quanto nos negócios. Para as nações, é a qualidade da governança que faz a diferença entre a adolescência e a idade adulta. É nessa transição que nos encontramos. Vamos para novos desafios ainda mais complexos. É dessa complexidade, que nos deixa muitas vezes confusos, outras vezes transtornados, algumas vezes até desesperançados, que emerge um Brasil diferente de tudo o que imaginávamos há 30 anos. Um Brasil que pega no tranco.
(Publicado em Época – num. 0486 – 10/9/2007)
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