A reportagem é de Regina Alvarez, publicada no GLOBO de 24 de junho: “PT promete o fim dos cargos comissionados, mas o governo Lula fez o contrário, inflando o número dessas vagas de nomeação política de 19.000 para 22.000. O governo já gasta R$ 9,3 bilhões com essas nomeações sem concurso, mais do que todo o orçamento de R$ 8,7 bilhões do Bolsa Família. Para o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), essas contratações são a moeda de troca para conseguir apoio do Congresso.”
“É óbvio que essas nomeações políticas são uma porta aberta para a corrupção. O compromisso de quem tem o cargo é com quem o indicou, e não com a população”, diz o cientista político Otaciano Nogueira, também da UnB, na matéria “O que o Brasil precisa fazer para combater a corrupção”, de Leandro Loyola e Murilo Ramos, na revista “Época”. “Para ganhar uma vaga, não é preciso comprovar competência ou conhecimento técnico. O candidato precisa apenas de um padrinho político com prestígio no governo”, registram.
A disputa entre as nomeações por indicações políticas, de um lado, e as contratações por concursos públicos, de outro, é apenas o reflexo de outra disputa: a politização versus a profissionalização da máquina administrativa do país. Mas, por sua importância, essa polêmica pode ser o rastilho para a implosão da popularidade dos gastos públicos.
A percepção estabelecida é a de que os gastos do governo são coisas boas. A social-democracia promove, os marqueteiros faturam, os banqueiros financiam, os empreiteiros adoram, como também os artistas, as centrais sindicais, o MST e até mesmo os pobres, com o Bolsa Família. Mas a banalização dos desvios de recursos, confirmando a clássica associação entre os gastos públicos e o grau de corrupção na economia, cada vez mais evidente, pode derrubar essa obsoleta visão benigna dos gastos do governo.
Será uma batalha entre a razão e os sentidos. O italiano Galileu Galilei, grande cientista convertido à teoria de Copérnico, revela em seu “Diálogo sobre os dois grandes sistemas universais”: “Nunca serei capaz de expressála o bastante, tamanha minha admiração pela grandeza das mentes que conceberam a hipótese heliocêntrica. Em evidente confronto com os próprios sentidos, e com a exclusiva força do intelecto, preferiram a razão ao que sua própria experiência sensorial claramente demonstrava. Não há limites para meu deslumbramento, por terem deixado sua razão vencer seus sentidos, tornando-se a âncora de suas crenças.”
E como argumenta Thomas Kuhn, em seu clássico tratado “A estrutura das evoluções científicas” (1962), as crenças estabelecidas não são erodidas lentamente por novas concepções. Simplesmente desabam de uma só vez. De repente, o Sol não mais girava em torno da Terra, como os homens do século XVI viam com seus próprios olhos. A estabelecida visão benigna dos gastos públicos também caminha para a implosão súbita, sob o peso da corrupção. E, de repente, a sociedade brasileira não vai mais girar em torno dos gastos públicos, como ainda vemos todos os dias com nossos próprios olhos.
O Globo, 25 de junho de 2007
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