O colapso do império comunista e a aparente adoção da democracia pela Rússia pareciam presságios de uma nova era de convergência global. E o compromisso da China com a abertura econômica deveria resultar em uma eventual abertura política. Em uma economia globalizada, as nações não teriam alternativa ao capitalismo democrático. As democracias e os mercados prosperaram pelo mundo; a ideologia, o nacionalismo e a guerra entraram em profundo declínio.
As divisões culturais, étnicas e nacionalistas que devastaram a Humanidade seriam dissolvidas por interesses econômicos e valores comuns. “Era o triunfo da visão liberal para uma ordem internacional”, registra Robert Kagan, em “O retorno da História e o fim dos sonhos” (2008).
“Na esfera intelectual, a Guerra Fria era uma competição entre duas ideologias, o marxismo e o liberalismo, que tinham muita coisa em comum, embora se considerassem inimigos mortais. Eram ambas ideologias iluministas, contemplando uma futura civilização universal. As duas visões diferiam, sobretudo, com relação a qual seria o melhor sistema econômico para alcançar essas metas universais. A utopia liberal ganhou impulso maciço com o colapso do comunismo. Com a América triunfante na liderança, o capitalismo global promoveria o fim da História”, observa John Gray, em “Missa negra: religião apocalíptica e o fim das utopias” (2008).
“Mas a grande falácia da nossa era foi a crença de que a nova ordem internacional seria baseada no triunfo das ideias e na propensão natural ao progresso humano. Essa é uma tese imensamente atraente, profundamente enraizada na visão de mundo iluminista, da qual todos nós, nas democracias liberais, somos produto. Nossos filósofos políticos imaginam uma grande dialética histórica, na qual o conflito entre visões de mundo ao longo dos séculos produz a resposta correta, que são as democracias liberais. Mas é necessário um pouco mais de ceticismo. Afinal, o século mais destrutivo da História da Humanidade não está enterrado em um passado negro e distante.
O século XX produziu os maiores horrores: massacres étnicos, ‘guerras totais’, grandes fomes, genocídios, conflitos nucleares.
“Essa visão falhou ao considerar inevitável o progresso, quando depende das batalhas vencidas e das políticas econômicas”, alerta Kagan.
Agora, em meio à crise global, “pela primeira vez desde a década de 1930, regimes não democráticos são estrelas em ascensão no sistema internacional”, constata o filósofo inglês John Gray. “A ascensão das grandes potências autocráticas, Rússia e China, bem como as forças reacionárias do radicalismo islâmico enfraquecem a nova ordem global.
“O futuro será dos que tiverem o poder e a disposição para moldá-lo; a questão crucial é se as democracias estarão à altura desse desafio”, adverte Kagan.
(O Globo – 13/04/2009)
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