No relatório preparado para a reunião do G-20, o FMI traça projeções sombrias para o desempenho global em 2009 e adverte que, sem um reforço nos programas de estímulo fiscal para 2010 e a estabilização do sistema financeiro, a recuperação da economia mundial no próximo ano estará em risco. Em especial, o FMI aponta a necessidade de os governos eliminarem “urgentemente as incertezas sobre os balanços (dos bancos), lidando agressivamente com os ativos problemáticos e recapitalizando as instituições viáveis”. Sem isso, seria difícil estancar a espiral deflacionária entre os lados real e financeiro da economia.
Esse diagnóstico não diverge muito do que as autoridades americanas utilizam para embasar o Plano de Estabilização Financeira (PEF) apresentado pelo secretário do Tesouro Tim Geithner em 10 de fevereiro passado. Porém, apesar de elogiar partes do PEF, como os testes de estresse a que os grandes bancos estão sendo submetidos e a perspectiva de capitalização daqueles que o necessitarem, o Fundo critica a falta de “detalhes essenciais” e, implicitamente, a relutância em aceitar a estatização temporária como uma alternativa. No todo, avalia que mais detalhes são necessários para acalmar o mercado.
Esta semana o secretário Geithner deu alguns desses detalhes, em especial sobre os mecanismos por meio dos quais o governo americano pretende retirar os ativos problemáticos dos balanços dos bancos, o que em tese facilitaria a sua capitalização por investidores privados e os estimularia a emprestar mais. Muito resumidamente, a proposta é aumentar a demanda por esses ativos por meio de fundos a serem capitalizados paritariamente pelo Tesouro e investidores privados e alavancados com empréstimos ou garantias públicas a captações de mercado. O complicado problema de como precificar esses ativos, que se feito pelo governo poderia levar a acusações de favorecimento dos bancos, será “resolvido” deixando essa tarefa para os investidores privados, que responderão pela gestão dos fundos, e criando competição entre eles na aquisição dos ativos. A expectativa é que depois de comprados esses ativos permaneçam na carteira dos fundos, senão até o vencimento, pelo menos até a situação do mercado financeiro se normalizar.
Em tese, esse esquema permitiria revelar o verdadeiro valor desses ativos, que se pressupõe ser superior às atuais cotações de mercado, artificialmente deprimidas pela ausência de investidores com recursos líquidos para aproveitar a oportunidade que elas oferecem. Os subsídios implícitos nos empréstimos e garantias públicos servem para tornar a transação ainda mais atraente. Neste caso, haveria um espaço para todos, em especial bancos e investidores, ganharem. Os bancos, porque poderiam desfazer-se dos ativos a um preço superior ao que hoje estão cotados; os investidores, por poder comprar os ativos abaixo do seu verdadeiro valor e alavancar seus ganhos com empréstimos a baixo custo. Conforme os primeiros negócios sejam realizados, investidores independentes terão mais confiança para voltar ao mercado e também tentar ganhar com a valorização dos ativos, dando ao processo uma dinâmica própria. O governo atingiria seu objetivo de política e, dependendo de quanto os ativos se valorizarem depois de adquiridos pelos fundos, poderia até extrair um ganho líquido com a operação.
O mercado reagiu positivamente ao anúncio desses detalhes, ou por acreditar que o plano será bem sucedido, ou pelo menos por ver nele uma transferência de subsídios que vai ajudar os bancos. A reação dos analistas, porém, foi bastante dividida. Na questão particular de se o plano vai funcionar, dois pontos principais concentram os debates.
O primeiro é a dimensão do hiato entre o valor real dos ativos problemáticos e o preço a que eles estão cotados no mercado. Se os problemas principais forem a baixa liquidez desse mercado e a incerteza gerada pela assimetria de informação entre investidores e bancos, então esse hiato é grande e o plano tem tudo para funcionar. Se, porém, as cotações de mercado são baixas porque os ativos realmente valem pouco – por exemplo, por estarem lastreados em ativos que perderam valor depois do estouro da bolha imobiliária ou por conta da alta da inadimplência – o espaço para negociação entre fundos e bancos é reduzido, e poucas operações tenderiam a ocorrer. Em especial, os céticos apontam que o diagnóstico que sustenta as medidas ora anunciadas é o mesmo por trás do malfadado plano de criar um super-SIV e do formato inicial do Tarp.
O outro ponto é se, mesmo em esse hiato sendo significativo, ele será grande o suficiente para gerar ganhos atraentes simultaneamente para bancos e investidores. Alguns analistas observam que os elevados rendimentos oferecidos por títulos de dívida de empresas grau de investimento, por exemplo, tornam o custo de oportunidade de investir nesses fundos relativamente alto. Mais importante, porém, é que, como notado pelo Credit Suisse, apenas 15% a 20% dos ativos dos bancos americanos é contabilizado a preços de mercado, o resto sendo marcado por meio de modelos ou pelo valor de face. Isso significa que para uma parcela dos ativos problemáticos essas operações trarão perdas contábeis para os bancos, complicando seus problemas de capitalização. Essa dimensão da crise financeira deve ser atacada pelo Programa de Assistência de Capital, outro pilar do PEF. Como observa Ricardo Caballero, porém, para que os bancos se interessem em vender seus ativos problemáticos pode ser necessário ligar esses dois pilares mais diretamente.
O Plano de Estabilização Financeira procura ser uma alternativa à estatização temporária, por meio da qual o governo poderia tanto separar a parte boa da ruim nos ativos dos bancos, sem a necessidade de enfrentar imediatamente o problema da precificação, como capitalizá-los. Se funcionar, o plano pode ser um marco na estabilização do sistema financeiro e na solução da crise. Se não funcionar, ainda restará a alternativa da estatização, mas esta ocorrerá em um ambiente econômico e político bem mais difícil e arriscado que o atual.
(Valor Econômico – 27/03/2009)
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