O Globo, 01 de novembro de 2006 O candidato Geraldo Alckmin, olhando fixo para bancada de eleitores dos eleitores no debate da Globo, denunciou: o governo Lula quer conceder pedaços enormes da Amazônia para empresas privadas. Acrescentou, como se estivesse dando o tiro fatal: e empresas estrangeiras. Efeito sobre os eleitores ali presentes: zero. Lula tirou de letra. Manipulando conceitos, disse que concessão não era venda, que era muito diferente de entregar patrimônio, como os tucanos haviam feito. E seguiu em frente. Mas para os eleitores tucanos, incluindo as elites e as classes médias do Brasil desenvolvido, restou a perplexidade. Em nome da modernidade e da chamada inserção competitiva na economia global, o governo FHC promoveu um extraordinário conjunto de reformas liberais que retiraram o caráter nacionalista-estatizante da Constituição de 88. Quebrou monopólios estatais, eliminou proteções e reservas de mercado, abriu todos os setores da economia brasileira ao capital privado, sem distinção entre nacional e estrangeiro. Empresas estrangeiras trouxeram capitais e participaram com sucesso de privatizações, algumas coordenadas pelo próprio Alckmin, como vice e como governador de São Paulo. Foi uma profunda mudança na estrutura da economia brasileira, que conferiu eficiência a diversos setores, desde os grandes exportadores e players internacionais, até os menores, chegando aos empreendedores individuais. É infinita a quantidade de pequenos negócios que foram viabilizados pelo telefone celular e pela internet. Podia-se discutir se o sistema de concessões era ou não o melhor meio de preservar a Amazônia. Mas desqualificar o projeto porque permitia concessões a empresas estrangeiras poderia cair bem no discurso de Heloisa Helena. No de Alckmin pareceu o que era: falso. Simbolizou a conclusão do processo que vinha desde 2002, quando José Serra também se recusou a fazer a defesa da era FHC. A agenda tucana, aquela, está morta. E sua herança mais valiosa foi capturada por Lula. É dele, hoje, a propriedade da inflação baixa. É ele hoje quem mais compreende e quem mais se beneficia do enorme bem estar que a inflação de 3% ao ano confere aos mais pobres. Não por acaso, ouvimos Alckmin, na campanha, atacando o Banco Central, como aliás faziam setores tucanos ainda durante a gestão de FHC. Como se fosse possível entregar uma inflação tão baixa sem esse BC construído com base na agenda liberal. É um caso extraordinário. Em 2002, Lula se elegeu em meio a um surto inflacionário, disparada do dólar e fuga de capitais – resultado do pânico do mercado diante da possibilidade da aplicação do programa econômico do PT, “Um Outro Brasil É Possível”, produzido em 2001 pelo Instituto da Cidadania, aliás sob a coordenação de Guido Mantega. Atacava regime de metas, juros altos, BC autômono, superávit primário, e prometia desde reestatização até ruptura com o FMI e calote na dívida. Passados quatro anos, Lula declara – “eu acabei com a inflação” – e se reelege com metas de inflação, BC autônomo, superávit primário, responsabilidade fiscal e dólar baratinho – tão baratinho quando na era Gustavo Franco, o presidente do BC de FHC que os tucanos paulistas odiavam. Mais ainda, Lula defende as concessões de serviços públicos a empresas privadas e diz que vai fazer as Parcerias Público-Privadas. E assim, enquanto assume a agenda da avenida Paulista e do FMI, ainda consegue se apresentar como pai dos pobres e destruidor das elites. Perdeu no Sul e em São Paulo – ali onde a agenda modernizante da era FHC mostra seus efeitos positivos de modo evidente. Mas perdeu por pouco, diminuiu a desvantagem em relação ao primeiro turno simplesmente porque Alckmin e os tucanos ficaram sem agenda nenhuma. O PSDB não perdeu apenas mais uma eleição. O PSDB, aquele dos oito anos de FHC, acabou. Pode ser que apareça outro, mas com qual agenda? Tanto Aécio Neves quanto José Serra acreditam que podem refazer o partido a partir de seus projetos pessoais. São nomes fortes, mas o risco do PSDB é esse: sem agenda própria, acabar destroçado pela disputa entre dois candidatos. Quanto à agenda liberal e modernizante, essa desapareceu do cenário político. Aposto que continua na alma e no interesse de boa parte do país, mas não se vê no horizonte próximo quem possa assumí-la. Estamos mais perto de uma outra coisa extraordinária: tucanos e a esquerda do PT atacando o neoliberalismo de Lula. Duvidam?
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