Pode ser que a crise não tenha sido superada, mas é preciso admitir que muitas coisas importantes estão encaminhadas – e bem encaminhadas.
Os maiores bancos americanos, não por acaso os que se encontravam em maiores dificuldades, estão conseguindo levantar capital novo com a venda de ações e bônus e com a transformação de dívida em ações.
E todo mundo dizia que era crucial a recapitalização dessas instituições, para que pudessem voltar a emprestar a empresas e a pessoas.
Outra encrenca grande, formada por General Motors (GM) e Chrysler, também parece bem administrada. Aqui, o caso é mais simbólico, pois o eventual desaparecimento das montadoras não deixaria os Estados Unidos sem automóveis e sem suas fábricas. Mas levaria boa parte de seu orgulho.
Barack Obama representa esse orgulho nacionalista, o que, aliás, como muitos temem, pode levá-lo a atitudes protecionistas. De certo modo, o esforço e a quantidade de dinheiro público colocado na GM já configuram uma política de proteção aos campeões nacionais. Mas, como todos os governos estão fazendo a mesma coisa com “suas” montadoras, ficam elas por elas.
Mesmo que a GM entre em concordata, continua sendo um processo organizado, sob a total e completa direção do governo Obama, como ocorre com a Chrysler.
Nos dois casos – bancos e montadoras – o governo sairá dessa história como grande acionista. No caso da GM, será majoritário.
E é assim que a coisa termina, com o capitalismo liberal americano cedendo lugar ao capitalismo de Estado?
Aí já não é tão simples. Perguntaram ao presidente Obama o que ele pretendia fazer com as companhias de que se tornava o controlador. E ele respondeu: livrar-me delas o mais rápido possível.
Então por que pôs dinheiro público nelas a ponto de se tornar acionista majoritário?
Resposta simples: porque sem isso as companhias quebrariam e desapareceriam. Seria o caminho de mercado. No caso das montadoras, de novo, sem problemas. Outras empresas ou a outra indústria automobilística americana (a sadia: Honda, Toyota e Hyundai, por exemplo, mais as europeias e as chinesas que estão querendo chegar) simplesmente ficariam com as partes boas de GM e Chrysler – e seguiria a vida.
Com os bancos, não. Uma quebradeira no sistema financeiro levaria ao naufrágio pessoas e empresas, comprometendo toda a economia americana e, daí, a mundial.
Assim, na falta de dinheiro privado, se tornou necessário colocar dinheiro do contribuinte para evitar uma catástrofe maior, no caso dos bancos, e para evitar um ferimento maior no coração americano.
Mas a continuidade, nos dois casos, será o governo vender suas ações e deixar que as empresas sigam no mercado privado. Até a próxima quebra, diriam os céticos.
Isso à parte, voltamos ao início: então, terminou a crise?
Depende do que se entende por terminar.
Se por isso se entende a volta ao crescimento espetacular do início deste século, é evidente que não estamos nem perto. Na verdade, uma boa discussão está aqui: quando o mundo conseguirá engrenar um processo de expansão global tão intenso e diversificado quanto na abertura dos anos 2000?
Gente, o produto mundial crescia a 5% ao ano; o comércio total, a 10%! Tão sensacional que muitos acham que passarão muitos anos antes que se repita algo parecido.
É verdade que alguns fatores da base daquela expansão continuam por aí. A Tecnologia da Informação, essa bela combinação de telefones com computadores, ainda tem muito a dar para elevar a produtividade das economias nacionais.
A globalização continua por aí. Embora as medidas protecionistas apareçam um pouco por toda parte, têm sido episódicas e limitadas. Nenhum governo, nenhuma região, nenhum bloco pensou em fechar fronteiras.
Assim, o Brasil, por exemplo, se animou com alguma retomada das exportações e com a perspectiva de abertura de novos mercados, como frangos para a China.
A GM diz que uma das saídas é vender, nos Estados Unidos, carros produzidos por ela mesma, mas… na China.
Falou-se muito na morte do capitalismo, mas, como não apareceu nada para substituí-lo, as soluções seguem por aí. Com mais intervenção do Estado por toda parte. Mas podem anotar: a recuperação só virá de verdade quando o setor privado pegar no embalo.
Mais exatamente, a volta do crescimento virá quando o sistema financeiro, privado, estiver de novo em condições plenas de distribuir capital barato pelo mundo afora.
Assim, pode-se dizer que o mundo escapou da crise neste sentido: o pior já passou, a catástrofe não se deu e há sinais de recuperação por toda a parte. Mas é claro que não se sai de uma crise assim, sem cicatrizes.
Haverá mudanças e a mais imediata é a elevação da intervenção do Estado, tanto direta, no controle de empresas e de setores, quanto indireta, na forma das regulações e dos controles.
A intervenção direta será a primeira a ser abandonada, a começar por Obama. Quanto à segunda, vai depender da escolha entre uma economia mais regulada, com menos risco, mas também com menos crescimento, e uma economia mais aberta, com mais risco e mais capacidade de inovar e se expandir.
Como tem sido ao longo da história do capitalismo.
(O Estado de S.Paulo – 01/06/2009)
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