O Brasil, como mencionou Paulo Hermany em artigo no jornal Valor Econômico (04/07/2007), é dos poucos países ricos em que o ultrapassado debate desenvolvimentista versus monetaristas ainda viceja. Os que se dizem desenvolvimentistas (que se dizem os economistas do bem) parecem acreditar que o desejo dos monetaristas neoliberais (ditos os economistas do mal) é atravancar o desenvolvimento econômico e o bem estar da sociedade, ao atacarem de forma contundente qualquer ameaça do retorno da inflação e preferirem, em atividades produtivas, o mercado ao Estado. Em particular, ao longo do governo Lula, vários economistas e boa parte de seus eleitores se dizem traídos por nada ter mudado na política econômica: nenhuma das maluquices que o nosso presidente e seu partido prometiam antes de eleitos foi praticada. De forma mais aguda, no período recente, desde junho do ano passado quando o Banco Central, frente à ameaça do aumento da taxa de inflação, retomou o aumento progressivo da taxa Selic, vários economistas têm vociferado contra essa política.
Um dos argumentos é de que se trataria de um choque externo (inflação de custos) que não pode ser debelada por política monetária. Para o Banco Central, esse dito choque externo só seria propagado se a autoridade monetária tentasse acomodar essa situação através de uma política monetária frouxa. Para um Banco Central, toda inflação é inflação de demanda ou será acomodada através desta, o que deve ser evitado para prevenir contra uma espiral preços-salários. Outro argumento é que a política de juros provoca uma oferta abundante de dólares que causa uma sobrevalorização artificial do real, prejudicando as exportações e favorecendo as importações, tornando nossa economia menos competitiva. Lembro que nosso saldo comercial tem sido superavitário ao longo de toda essa política monetária praticada.
O resultado concreto da interveniência do Banco Central ao longo do governo Lula tem sido dos mais promissores: a inflação está contida dentro das apertadas metas estabelecidas pela autoridade monetária; as reservas internacionais somam folgados US$ 200 bilhões, graças aos recorrentes superávits comerciais; o PIB tem crescido a taxas expressivas e neste ano vinha crescendo quase em ritmo chinês; a taxa de desemprego caiu para 7%, algo não visto há muito tempo; o rendimento médio real tem crescido; e o investimento tem crescido, alcançando cerca de 20% do PIB. A única nota destoante nos fundamentos macroeconômicos é a política fiscal, com o aumento das despesas do governo, notadamente aquelas de pessoal que serão permanentes; mas, mesmo assim, não impediu que a meta de superávit primário deste ano fosse alcançada o que obviamente, só foi possível graças ao forte aumento da carga tributária no período.
Já houve quem alegasse que tais resultados iriam ocorrer de qualquer maneira e que a política monetária apenas impediu que o Brasil se aproveitasse plenamente da bonança da economia mundial com mais crescimento e emprego. Já houve quem alegasse que esses resultados são pura sorte e que derivam dos ventos favoráveis da economia mundial, embora o cenário externo favorável tenha de fato contribuído para o bom desempenho da economia no período. Entretanto, esses resultados teriam sido possíveis caso ainda tivéssemos a bagunça fiscal da década de 80, a irresponsabilidade monetária deflagrada em 1980 e seguida durante aquela década, a intervenção econômica do Estado na economia, com controle de preços (instaurado em 1967 e só extinto em 1994) e de câmbio, e cerca de 800 empresas estatais atrasadas e ineficientes, que se tornaram verdadeiros gargalos para nossa economia? Em suma, os resultados obtidos com a perseverança da busca dos fundamentos macroeconômicos – estabilidade monetária, responsabilidade fiscal e o livre funcionamento dos mercados, com regulação apropriada onde necessário – seriam alcançados caso fosse seguida no mundo de hoje a receita dos ditos desenvolvimentistas que foi aplicada durante a década de 80? Antes que nos déssemos conta de que a busca dos fundamentos macroeconômicos pregados pelos ditos monetarista neoliberais era fundamental, nos debatemos na década de 80 e início dos 90 com tentativas de retorno a um passado de intervenção estatal (na produção) quando o capital internacional era abundante e as taxa de juros baixas.
A divulgação em dezembro de 2008 dos resultados do PIB do terceiro trimestre mostrou que o Banco Central estava com a razão: a taxa de crescimento do PIB estava caminhando acima do produto potencial e isso estava acarretando um aumento da inflação. A demanda doméstica no terceiro trimestre cresceu impressionantes 9,4%, e só pode ser acomodada por um forte aumento das importações – numa tendência insustentável a médio prazo. Esta percepção obrigou o Banco Central a retomar sua política monetária contracionista, cujos resultados já se mostraram na redução das taxas de crescimento dos preços. O efeito pretendido com essa política associada à crise internacional já se mostraram com o tombo sofrido pela indústria em outubro que deve se repetir nos demais resultados do ano anterior, deixando espaço para que o Copom na sua recente reunião iniciasse o processo de redução da taxa Selic, com a substancial queda de um ponto de percentagem.
Com a crise econômica a taxa de crescimento do produto deve ser substancialmente menor, o desemprego deve aumentar um pouco, o real vis a vis o dólar continuará em torno do padrão atual (em torno de R$ 2,40/US$), ou mesmo reverter caindo algo em torno de 10%; a taxa de inflação continuará dentro da meta; deveremos ter uma redução das importações, o que permitirá manter superávit na balança comercial e algum equilíbrio em contas correntes. Ou seja, não estavamos blindados, mas certamente melhor preparados para enfrentar essa crise do que já estivemos no passado, graças ao conjunto de políticas econômicas que escolhemos seguir desde 1994.
Não nos descolamos (decoupling) da crise mundial e também não teremos um crescimento autárquico associado aos países emergentes. Parece, entretanto, que conseguimos nos descolar das políticas “perfeito-idiotas” que nos levaram a falência na década de 80. Infelizmente, o mesmo não ocorreu com os nossos vizinhos Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, com a elevada possibilidade de Paraguai e Uruguai virem a eles se juntar.
(Valor Econômico – 29/01/2009)
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