Como definir o Brasil?
O Brasil é um país de muitas facetas, algumas mais vistosas do que outras, dependendo da perspectiva adotada ou do grau de aproximação que um observador isento – digamos um viajante estrangeiro ou um “alienígena”, o mais possível objetivo e externo aos temas que possamos aqui discutir – possa ter em relação a alguns dos seus problemas mais evidentes. Por “problemas mais evidentes”, que são as facetas diversas aludidas acima, eu quero basicamente dizer que o Brasil não é um país pobre, ou desprovido de riquezas, mas ele é certamente um país com muitos pobres, como um presidente-sociólogo já observou certa vez. O Brasil tampouco é um país desprovido de recursos humanos de qualidade ou de capacitação industrial e científica, ainda que esses insumos e recursos valiosos para seu desenvolvimento econômico e social estejam mal distribuídos, socialmente e regionalmente.
O Brasil é um país razoavelmente democrático, ainda que sua democracia seja de baixa qualidade, tendo em vista os inúmeros problemas de representação política, de corrupção institucional, de mau funcionamento dos órgãos públicos. Ele é também uma nação que aspira realizar valores positivos de solidariedade social e de inclusão dos mais pobres – como revelado pela educação gratuita em todos os níveis (ainda que integrando progressivamente pouca gente), pela cobertura extensiva da Previdência (mesmo sem contribuições prévias), pelo Sistema Único de Saúde e pelo tratamento exemplar dado às vítimas da Aids, por exemplo –, mesmo se os dados revelam inúmeros obstáculos à realização efetiva da “solidariedade” proclamada. Enfim, o Brasil é um país contraditório, como muitos observadores já perceberam, e como a visão “alienígena” poderia confirmar. Vejamos o que poderia ser dito desse Brasil contraditório.
Aproximações sucessivas ao Brasil, a partir do espaço…
De uma perspectiva totalmente “estratosférica”, isto é, visto há milhares de quilômetros de distância, o Brasil aparece como uma grande massa verde ou marrom escura ao observador do espaço, revelando enormes recursos naturais num imenso território cobrindo várias “latitudes” e “longitudes”. Chegando mais próximo, digamos no espaço aéreo nacional, nosso visitante “extra-terrestre” constataria que essa vasta massa de muitas cores abrange áreas extremamente ricas em biodiversidade, territórios ainda mais vastos deixados indevassados ou aparentemente intocados pela mão do homem, grandes extensões cultivadas – geometricamente delimitadas –, uma rede de comunicações certamente insuficiente para cobrir essas vastidões parcialmente habitadas, além de grandes e pequenas cidades nas quais sobressaem edifícios vistosos, casas modestas e algumas “aglomerações” indefiníveis.
Chegando ainda mais perto, nosso “alienígena” descobriria, no interior, grandes fazendas tecnologicamente bem dotadas ao lado de minifúndios familiares e, mais além, assentamentos inviabilizados pelo desconhecimento técnico e precariedade de meios de seus “proprietários”; nas cidades, ele veria fábricas e escritórios modernos, edifícios luxuosos de apartamentos familiares, ao lado de construções bizarras, vulgarmente chamadas de “favelas”. Descendo nessa altura, ele então poderia contemplar carros vistosos sendo abordados nos semáforos por pessoas de aspectos variados, alguns andrajosos, outros nem tanto, algumas crianças exploradas, outros meliantes à procura de alguma oportunidade de “negócio” com a propriedade alheia. Precisamente, o que o surpreenderia no Brasil, seria a convivência contraditória da riqueza de muitos indivíduos, escandalosamente ostensiva, com a mais abjeta pobreza de grande parte da população, nas cidades e nos campos. Essa desigualdade é aqui levada ao extremo, como em poucos países da atualidade, salvo em alguns Estados “falidos” de certos continentes. O que caracteriza o Brasil, exatamente, é a dupla existência de muita riqueza, potencial e real, e de muita pobreza, material e “espiritual”, ou seja, muitos indivíduos analfabetos funcionais ou incapazes de compreender textos elementares ou de fazer operações aritméticas simples.
Se nosso visitante estrangeiro, a partir daí, penetrar nos escritórios das fábricas, no seio de pequenas empresas familiares, nas salas de aula das escolas públicas, nos corredores e gabinetes do Congresso, no recesso de alguns funcionários públicos e responsáveis governamentais, o que ele veria certamente reduziria em muito qualquer visão otimista que ele pudesse ter acumulado a partir da sua perspectiva “aérea”, com respeito à pujança da economia, da enorme diversidade de recursos naturais, da modernidade das fazendas agrícolas e da infra-estrutura urbana. Enfim, o quadro favorável que ele teria desvendado de longe logo se inverteria para um espetáculo pouco recomendável, feito de aspectos essencialmente negativos da estrutura social do Brasil, de sua organização governamental e das muitas dificuldades hoje interpostas no seu caminho para o desenvolvimento econômico e social.
O novo quadro, bem mais negativo, contemplaria: evasão e elisão fiscais por parte das empresas e dos indivíduos; informalidade completa em muitos empreendimentos familiares ou pessoais, aliás, obrigatória, por obra de um Estado tributariamente voraz e insaciável; negociatas e falcatruas generalizadas, a partir das licitações públicas e da contratação viciada de gastos governamentais, em função, precisamente, da centralização excessiva de serviços “públicos” que poderiam ser prestados em bases de mercado; corrupção ativa dentro dos aparelhos encarregados, paradoxalmente, da prevenção e da repressão de atos ilícitos nos meios judiciários e policiais; deterioração visível da qualidade do ensino em quase todos os níveis das instituições públicas do setor; desalento generalizado na população em virtude do baixo crescimento generalizado nas últimas duas décadas, com poucas oportunidades criadas para os ingressantes no mercado de trabalho; sentimento de desesperança que se reflete nos números continuamente altos de candidatos à emigração a países mais favoráveis ao trabalho honesto e dedicado.
(continua…)
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