É comovente o ardor republicano de nossa mídia. Expressa a vontade dos brasileiros de limpar a coisa pública. E também de ver funcionar a política. Os canhões da opinião pública esclarecida ainda fumegavam com as denúncias de práticas partidárias corruptas quando novos disparos atingiram os descalabros administrativos do Senado.
A guerra dos senadores torna-se uma tradição de segundo mandato. No governo FHC, a feroz disputa pela ocupação da máquina de governo foi entre o PMDB e o PFL. Chantageando o PSDB com as CPIs dos Bancos e do Judiciário, chocaram-se depois com dossiês de denúncias. Os senadores Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães tiveram de renunciar para evitar suas cassações.
Agora, a torrente de acusações volta-se contra os maus costumes do Senado. O motivo foi a disputa entre o PMDB e o PT pela presidência da Casa. O presidente da instituição – ex-presidente da República por obra de uma tragédia pessoal que se transformou em uma de nossas maiores tragédias políticas, a morte de Tancredo Neves – tem uma extraordinária oportunidade de dar contornos definitivos a sua biografia. E ainda reabilitar a desgastada imagem do Congresso.
Não me refiro apenas à lipoaspiração das ridículas 181 diretorias do Senado, inclusive aquela dedicada a furar filas para os políticos nos aeroportos, uma exigência moral imediata que certamente dispensa a consultoria especializada da Fundação Getúlio Vargas. Como observa a arguta Dora Kramer, em sua coluna no “Estado de S. Paulo” deste domingo, “desde a negociação da trégua entre PT e PMDB, a questão passou a ser tratada como se as irregularidades fossem meramente funcionais, quando a disfunção ali é atinente ao decoro parlamentar, ao desrespeito à Constituição, à cultura do privilégio. O foco foi desviado para o lado administrativo. Assim não se tocam nos pecados dos parlamentares, não se responsabilizam aqueles que tomam as decisões e permitem que o Legislativo seja uma instituição onde o privilégio é a lei”.
É enorme o desafio de um ex-presidente da República que se dispõe a retornar à presidência do Congresso. O senhor nos deve, presidente, a iniciativa de uma reforma política. Seria compreensível que um político situacionista durante o governo militar, tendo saltado à trincheira da redemocratização, acometido de uma síndrome de ilegitimidade quando alçado à Presidência, tenha descambado para o populismo econômico que nos levou à moratória externa, à hiperinflação em câmara lenta e ao congelamento da poupança. Afinal, pode culpar seus economistas.
Mas, se persistem as disfunções éticas nos métodos de fazer política, do financiamento das campanhas eleitorais à obtenção de maioria parlamentar, já é hora de mudar esses métodos por meio de uma reforma em busca de transparência e funcionalidade. O julgamento da História não será complacente com a biografia de políticos que convivem há décadas com abusos no trato da coisa pública.
(O Globo – 23/03/2009)
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