Fidelidade Partidária O segundo instituto cuja mudança está em discussão é o da fidelidade partidária. De saída, já é de se estranhar que o divórcio – quer amigável, quer litigioso – seja coibido no campo político, quando mostra-se corriqueiro no âmbito das relações amorosas. O projeto de Lei resume-se em duas regras: a) filiação mínima de dois anos ao partido para fins de figuração na lista eleitoral e b) distribuição de cargos legislativos ao quais o que o partido tem direito na Câmara Federal (em especial, na Mesa Diretora) referenciada na proporção das bancadas quando da diplomação. A primeira regra pretende amortecer o troca-troca anterior à eleição. A segunda providência objetiva reduzi-lo durante a fase de composição da Mesa Diretora e Comissões. Ao senso-comum, o projeto parece meritório. Todavia, é preciso ter em conta que em um sistema de votação proporcional e uninominal como o brasileiro, a exigência da fidelidade do candidato ou mandatário ao partido pelo qual elegeu-se – ou pretende eleger-se – só faz sentido se estiver implícito um grau mínimo de disciplina partidária. Fidelidade e disciplina partidárias são institutos bem distintos. Se em política, a infidelidade é um ato de divórcio seguido de um novo matrimônio, a indisciplina é um ato de adultério explícito seguido de um rosário de justificativas e promessas. Do ponto de vista de traído e traidor (partido e mandatário), se o adultério (indisciplina) é contumaz, de que vale a manutenção do casamento através do constrangimento do divórcio (fidelidade). A exigência de tempo mínimo de noivado e a chantagem pecuniária implícitas nas regras de fidelidade “a montante” e “a jusante” são instrumentos precários para ajustar condutas de puladores de cerca inveterados e gigolôs políticos profissionais. É preciso reconhecer que, da perspectiva do eleitor, a norma da fidelidade pode ser de alguma utilidade, na medida que vê-se reforçado o grau de vinculação “partido-candidato”. Chamado a processar uma imensa quantidade de informações e alternativas políticas, o eleitor poderia optar pelo voto uninominal em eleições proporcionais (voto no candidato, ) como um quase-voto de legenda. Esta proxy pode não parece relevante quando este último está diretamente disponível na urna eletrônica, mas é certo que poderia mitigar um dos mais graves problemas do sistema proporcional: o descompasso entre a expressão das preferências eleitorais reveladas individualmente e sua distribuição proporcional – qual seja, coletiva – do poder político de representação. Entretanto, ainda que sem perceber, estamos novamente supondo que o sistema de partidos no Brasil guarda algum grau de homogeneidade ao longo de contínuo ideológico. Ou seja, que dois candidatos quaisquer de um mesmo partido disponibilizam ao detentor do direito de escolha eleitoral – você, digníssimo eleitor – ofertas de representação mais similares do que dois candidatos de partidos distintos. Isto é, via de regra, falso como uma nota de 3 reais. Dito de forma ainda mais simples, de que importa o troca-troca de partidos se estes mesmos, do ponto de vista ideológico, não significam muita coisa. Ademais, cabe considerar tanto a cara quanto a coroa. Em qualquer relação de fidelidade está implícita uma função biunívoca onde estão presentes duas partes envolvidas (para os amantes da matemática, aí estão a imagem e o domínio). Quando tratamos de fidelidade no campo da política-partidária nos inclinamos a inquirir o representante eleito acerca de sua fidelidade à legenda através da qual apresentou-se ao eleitor e obteve seu mandato. Mas falhamos em inquirir a legenda acerca de sua fidelidade aos princípios programáticos, e por conseguinte às diretrizes que orientaram o discurso de seus candidatos, filiados e simpatizantes ao longo do processo eleitoral, e de seus deputados ao longo do processo legislativo. Como se viu recentemente, pode uma liderança partidária de oposição recomendar ao detentor de um mandato popular legítimo o voto contrário a uma reforma presente no programa de governo apresentado ao eleitor e defendida por este mesmo mandatário junto à sua base eleitoral quando candidato, simplesmente por tratar-se agora de um projeto de interesse do governo?
(continua)
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