O Estado do Rio de Janeiro foi duplamente beneficiado ao longo dos últimos anos por um conjunto de circunstâncias. Em primeiro lugar, por conta do “boom” da exploração de petróleo no Brasil, fortemente concentrado na bacia de Campos, ele pôde contar com maiores recursos da obtenção de “royalties” em virtude do aumento da extração e refino do produto. E, em segundo lugar, devido aos maiores preços do barril, acompanhados pelo repasse para os consumidores domésticos, ao aumento da produção somou-se também o incremento dos preços. O resultado foi que, com mais petróleo e maiores preços, os “royalties” literalmente “jorraram” para o Estado. Isso equivale a ganhar na loteria. A combinação da ajuda da Mãe-Natureza com os problemas geopolíticos dos grandes produtores de petróleo e a demanda mundial “bombando” geraram uma combinação que não poderia ter sido mais feliz para o Estado. Lembrete, porém: o petróleo é um recurso finito.
O que um indivíduo deveria fazer, se estiver preocupado com a sustentação do seu bem-estar, caso seja brindado com agrados sucessivos da fortuna? Provavelmente, a pessoa adotaria um conjunto de sábias providências, por exemplo investindo em uma melhora na educação do filho – transferindo ele a uma escola melhor, embora mais cara -, comprando a casa própria para não ter que pagar mais aluguel, etc.
O que o Estado do Rio fez com o benefício recebido? Há duas boas notícias. A primeira é que a dívida do Estado caiu: a relação Dívida consolidada líquida/Receita corrente líquida, que era de 2,4 em dezembro de 2002, caiu para apenas 1,7 em dezembro de 2006. Embora isso tenha em parte decorrido da evolução favorável dos indexadores, o dado positivo é que, objetivamente, o peso da dívida diminuiu.
A segunda boa notícia é que, após um 2003 sofrível em matéria de investimento, este se recuperou e aumentou bastante entre 2003 e 2006. Ainda que o fato tenha sido parcialmente permitido pelo aumento da receita e feita a ressalva de que a base de comparação era especialmente deprimida, esse foi outro elemento positivo.
Em compensação, há duas notícias que deixam a desejar. A primeira é que, embora a despesa com pessoal não tenha tido um aumento particularmente significativo entre 2003 e em 2006 – ainda que tendo algumas oscilações durante o período – a sua composição sofreu uma mudança expressiva. Por conta de informações publicadas no começo do ano no jornal Valor, sabe-se que, enquanto que a despesa com servidores do Executivo diminuiu, em termos reais, um total de 3 % entre 2003 e 2006, a despesa dos Poderes autônomos teve um aumento real acumulado de 31 % nesse mesmo período, com destaque para o salto real de 39 % do Ministério Público Estadual e de 35 % do Tribunal de Justiça do Estado. Cabe lembrar, para efeitos comparativos, que nesses 3 anos a economia brasileira teve um aumento real de apenas 13 %, mesmo considerando a revisão recente das Contas Nacionais divulgadas há poucos dias pelo IBGE.
A outra má notícia é que, conforme dados da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, os “outros gastos correntes” – versão parcial e local das “outras despesas de custeio e capital” (OCC) do Governo federal – cresceram 37 % acumulados em termos reais no triênio considerado, utilizando o IPCA médio do ano como deflator. Isso representa uma média anual de nada menos que 11 % a.a. A quem procurar imputar a culpa do que quer que seja ao “modelo neoliberal”, que no Brasil é acusado de quase tudo de ruim que acontece na economia, segue um aviso aos navegantes: o serviço da dívida, em termos reais, aumentou, no acumulado de 3 anos, apenas 7 % – ou apenas pouco mais de 2 % a.a., abaixo do crescimento da economia. O aumento da pressão do gasto público no Rio não está nos juros, portanto.
A “pergunta do milhão” é: o que foi feito dos “royalties”? Houve algo de errado com a realidade do Estado do Rio nos últimos anos. Pensemos no que aconteceu ao longo da década. Abria-se o jornal e a desgraça pulava fora das páginas. Ia-se à rua e o agravamento do drama da violência era perceptível a olho nu, em todas as suas diversas manifestações – uma mais terrível do que a outra, desde a comparativamente quase inofensiva, mas de qualquer forma crescentemente agressiva atitude de muitos meninos de rua nos sinais, até a ousadia cada vez maior do tráfico de drogas. Entretanto, olhando-se os dados em detalhes, percebe-se que há um grupo de funcionários públicos do Estado que tiveram saltos nos seus ingressos permanentes, incompatíveis com a realidade do país; e que o Estado deu-se ao luxo de aumentar fortemente o gasto corrente, fazendo com muito mais intensidade aquilo que já costuma ser bastante criticado – com razão – nas contas públicas federais. A conclusão lógica só pode ser que o Estado andou “sacando a descoberto”, utilizando recursos voláteis e finitos associados à riqueza que estava embaixo da terra – ou, no caso do petróleo, para ser mais precisos, embaixo do mar – para aumentar despesas que comprometem seriamente o Orçamento.
Os primeiros passos do Governador Sérgio Cabral e, especificamente, a nomeação de um “xerife” com o “curriculum” de Joaquim Levy, são sinais auspiciosos de que talvez algo esteja começando a mudar no tratamento destas questões. O desafio da austeridade, evidente em face dos dados acima apresentados, se tornará mais importante ainda se a queda do preço do petróleo prevista pela maioria dos analistas para ocorrer até o final da década – caso não ocorram novas tensões no ambiente internacional – se revelar um fenômeno duradouro. A revisão de alguns gastos registrados nos últimos anos no Estado será, portanto, praticamente inevitável.
Publicado em O Globo, em 23 de abril de 2007
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