O câmbio está apreciado, dizem os analistas. A população vai às compras, eufórica. O governo colhe os frutos políticos desse consumo. Os industriais reclamam. E verifica-se, uma vez mais, um canhestro debate sobre como conter a apreciação e definir a taxa “correta” de câmbio, envolvendo economistas do governo e da oposição todos de formação estruturalista. Esses economistas defendem a intervenção do governo no câmbio para complementar suas intervenções via política industrial e comercial que escolhem setores e empresas para receberem subsídios e proteção. Trata-se de transferência de dinheiro escasso para gente rica, com dinheiro dos trabalhadores.
Essa discussão omite os custos sociais e econômicos da opção por um câmbio artificialmente depreciado (“chinês”). E estruturalistas acusam seus críticos de “neoliberais” porque ousam apontar as fragilidades de suas teorias. Entre essas, destaco: 1) a possibilidade de calcular objetivamente uma taxa “correta” de câmbio; 2) a existência, no governo, de meios para (a) fazer esse cálculo e (b) ajustá-lo diante de mudanças nas condições do ambiente, além de (c) instrumentos efetivos de política econômica para sustentar essa taxa, e de (d) condições políticas para realizar tal tarefa com eficácia e eficiência; e, por fim, 3) que tal estratégia é não apenas necessária e óbvia, mas capaz de minimizar riscos e custos para o crescimento de longo-prazo.
Os estruturalistas conduziram a economia brasileira no período 1950-89, quando a transformaram numa das mais fechadas do globo, distribuíram proteção e subsídio a empresas brasileiras e estrangeiras, administraram o câmbio. Mas não conseguiram mantê-lo menos apreciado do que está hoje. Ao mesmo tempo em que a indústria floresceu, inflação, desigualdades sociais e regionais e dívidas interna e externa explodiram como em nenhum outro país. Eis a herança que nos deixaram. Hoje na Fazenda, eles dispõem de precário instrumental para tentar minimizar a apreciação do real. Mesmo assim, disposição não lhes falta.
O debate atual é esquisito por duas razões. Primeiro, porque a apreciação resulta da entrada de dólares atraídos pelos bravejados sucessos do governo – crescimento com inflação baixa, queda da pobreza e da desigualdade, aumento real do salário mínimo. Segundo, porque o verdadeiro problema não é a entrada de capitais (excessiva?!), que suprem nossa deficiente poupança doméstica, mas os impedimentos à sua livre saída! Explico: os consumidores locais (famílias e empresas) não têm plena liberdade para usar os dólares que entram para comprar bens e serviços no exterior. Baixa demanda por moeda estrangeira (em contexto de forte entrada) provoca, naturalmente, uma tendência apreciativa.
Os estruturalistas são contra a liberação das importações porque tal liberdade prejudicaria a indústria nacional. Sem a reserva de mercado – que garante preços artificialmente elevados – as empresas localizadas no Brasil não têm como lucrar, argumentam. Eles defendem supostos “interesses nacionais” ao custo do bem-estar da população. No entanto, e contraditoriamente, as próprias empresas são prejudicadas pela proteção. Como não podem importar livremente insumos e tecnologia, tornam-se pouco competitivas (preço/qualidade). Produzem mais caro que no exterior e engrossam as fileiras dos que demandam mais proteção e subsídio.
Impedida de comprar alimentos, remédios e vestuário mais baratos e de melhor qualidade do que ofertado pelas empresas protegidas, a população passam a demandar proteção “contra o mercado” na forma de leis trabalhistas, salário-mínimo legislado, e proteção comercial para empresas.
Estamos, assim, presos a um equilíbrio econômico perverso, pois com baixo crescimento. Para sair dele, precisamos liberalizar unilateralmente as importações. Isso é fundamental para aumentar o bem-estar das famílias e a eficiência das empresas, por várias razões. (1) Preços mais baratos permitem às famílias consumir, poupar e pagar dívidas. (2) Importações derrubam a inflação (e os juros) e aumentam a produtividade, além de (3) estimularem exportações, pois empresas eficientes ofertam bens melhores e mais baratos. (4) Abertura eleva a demanda por dólares e deprecia o real. É uma engrenagem sustentável de crescimento, porém ausente de nosso debate.
(“O Estado de S. Paulo”, 30/01/2010)
No Comment! Be the first one.