O conhecimento humano é como a chuva. Há informação por toda parte, como nuvens pairando sobre nós. Apenas quando chove, quando as nuvens de informação se condensam e se precipitam, é que podemos afirmar: capturamos conhecimento! Se houver muito vento nas camadas altas, as nuvens mal se formam e já se espalham em seguida. A informação foge sem resultar em conhecimento. Mas não pense que mudei de ramo. Esta ainda é uma coluna de economia.
A metáfora do clima serve para nos lembrar de uma lei poderosa: a instabilidade periódica é a verdadeira e única estabilidade possível. Não existe bom tempo perpétuo. Os políticos, meteorologistas oficiais, prometem a superação da crise econômica mundial. Enquanto isso, mais nuvens pesadas se acumulam, sob a forma de desequilíbrios nos orçamentos públicos. A novidade é que a situação é pior nos países mais ricos. Como lidar com isso?
Muitos esperam que algum vento bom sopre para longe as nuvens negras no horizonte. Os mercados, usualmente dominados pelos compradores de papéis, não se importam se a promessa de bom tempo é verdadeira ou falsa, desde que atinjam sua satisfação especulativa. Quando aqueles que compraram resolvem vender, os mercados costumam desabar, sem dar chance para quem está sem abrigo.
O interessante nessa história é a conexão da realidade dos mercados – a maneira como operam – com a dos fenômenos físicos: chuva, terremotos e tsunamis, avalanches de neve, descolamentos de geleiras e até a morte de dinossauros. Mark Buchanan, físico e autor de Por que ocorrem as catástrofes, fez essa ponte entre história humana e física histórica. Trata do novo ramo da ciência chamado de Complexidade. A beleza assustadora desses episódios está em seu caprichoso desenrolar. Com uma diferença: nos mercados, governos ciosos em demonstrar que “tudo vai bem” tentam interferir na evolução dos índices das Bolsas, no preço das mercadorias básicas e na valorização de residências e prédios comerciais. Para tanto, têm despejado alarmante quantidade de moeda (o “vento”) nos mercados, por dois meios: crédito ou canais diretos de ajuda dos tesouros nacionais a bancos, corretoras, seguradoras, fabricantes de automóveis, compradores de casas e de bens duráveis. Disso resulta uma elevação perigosíssima das dívidas nacionais desses países, também chamadas, pomposamente, de dívidas “soberanas”.
As nuvens estão começando a escurecer. O Escritório de Orçamento do Congresso Americano acaba de soltar uma nova estimativa do déficit fiscal de uma década nos Estados Unidos, de quase US$ 10 trilhões, que trará a dívida federal (líquida) ao topo de 90% do PIB. Acham que é espantoso? O Banco Central Europeu, que não tem razão política para exagerar, projeta pior para a Europa: partindo da faixa de 70% do PIB europeu em 2010, a dívida da Comunidade saltaria para 90%, na melhor hipótese, em 2013 ou 97%, no cenário realista, em 2017. Como essa relação entre dívida pública e PIB não deveria passar de 60% (no caso do Brasil é de quase 70%), os países mais avançados do G20 entraram num beco sem saída. É o que também prevê o insuspeito Fundo Monetário Internacional. Ao fazer a revisão de sua previsão de bom tempo, passou a projetar chuva forte à frente, estimando a evolução da dívida soberana dos “ricos” do G20 de 78% do PIB em 2007 para um assombroso nível de 118% em 2014.
O Brasil está feliz. Trafegou quase incólume pela crise, imitando os países emergentes do G20. Mas isso não deveria ser motivo de tanta alegria prematura. Primeiro, porque nossa estabilidade é muito instável, dada a propensão do déficit fiscal brasileiro de explodir por conta de gastos rígidos de pessoal, de previdência social, de PAC, além de desperdícios diversos. Segundo, porque nossa alegria é fruto da ventania do crédito acelerado na China e em outros emergentes, que compram nossas matérias-primas. Até quando? Não podemos alimentar falsas certezas. Vem chuva forte por aí.
Fonte: Revista “Época” – 26/04/10
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